sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Schopenhauer, Whitman, Vedder... Para terminar o ano!




             Mais um ano que chega ao final. Juntamente com os preparativos para as festas, malas feitas para viagem, ansiosos pelas merecidas férias, vem as inevitáveis promessas de ano-novo. Emagrecer, aprender uma nova língua, iniciar (e manter ) uma atividade física, cuidar da alimentação, dedicar mais tempo para a família, reformar a casa, comprar um carro novo, e muitos outros desejos e intenções que muitas vezes não são concretizados. Li em algum jornal, creio que foi o David Coimbra que afirmou, que deveríamos desejar ter menos desejos. Difícil. Somos uma raça (a raça humana) cada vez mais insatisfeita. Essa reflexão me fez recordar a teoria do filósofo Schopenhauer:

"A vida oscila como um pêndulo, para trás e para dian­te, entre o desgosto e o tédio."

           Para esse filósofo, o ser humano está fadado à contínua infelicidade e insatisfação, pois, condicionado a desejar infinitamente, assim que conquista o objeto do seu desejo, logo é acometido pela frustração (ou tédio). A vida funcionaria, nessa visão, como um pêndulo entre o desejo e o tédio. Quanto mais o ser humano deseja, mais infeliz fica. Quando analisamos as promessas de ano novo à luz da teoria de Schopenhauer, não há como negar que ele tem razão.
           Não posso deixar de acrescentar um trecho da  letra da música “Society”, de Eddie Vedder, presente no filme Into the wild (o filme, inspirado no livro homônimo, conta a história real de um rapaz americano de classe média alta que larga tudo o que tem para viver na pobreza e em contato com a natureza):

“É um mistério para mim
Nós temos uma ambição que concordamos.
E você pensa que você tem que querer mais do que precisa.
Até você ter tudo, você não estará livre.”

            E nunca estaremos livres, pois nunca teremos tudo, e, mesmo que tivéssemos, não bastaria. Aí entra o grande poeta Walt Whitman:

         “Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado,  e disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
         E minha alma disse: Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho.”

          Nos resta prosseguir no caminho, quem sabe desejando menos, fazendo promessas que possam ser cumpridas, buscando o que realmente importa - tentando descobrir o que realmente nos faz seres humanos felizes e realizados!

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Afasta de mim esse “cale-se”



             Vivemos num país em que existe liberdade de expressão, no qual cada um tem o direito de exprimir suas ideias e pensamentos utilizando a palavra falada ou escrita. Num passado recente, não era assim. Sabemos que muitos morreram durante o período da ditadura militar tentando expor o que pensavam. Frequentemente escuto pessoas cultas, estudadas, recorrerem ao discurso que  afirma “se a ditadura voltasse, acabava essa bandalheira na TV e na internet”.
            No entanto, a ditadura censurava não só programas, filmes, livros. Ela simplesmente não aceitava quem pensava diferente. Mas nossa sociedade atual,  dita democrática, também tem espaço para seus censores.
            A polêmica das biografias, que veio à baila  recentemente, deixa clara essa questão.Os cantores Caetano Veloso, Roberto Carlos e companhia, antes artistas tão preocupados com a liberdade de expressão, no presente revelam-se apavorados com a possibilidade de suas vidas serem esmiuçadas e escancaradas por biógrafos gananciosos... E todo o debate, programas de TV, artigos, reportagens decorrentes da situação. Como diria Augusto Branco : “As pessoas gostam do ideal de liberdade de expressão até o momento em que começam a ouvir aquilo que elas não gostariam que dissessem a respeito delas.”
          Mas, fugindo desse assunto já tão debatido: qualquer cidadão brasileiro tem o direito, dentro do regime democrático, de expressar suas ideias e opiniões, direito esse assegurado pela Constituição Brasileira. E muitos o fazem através da internet, dos blogs, sites, Facebook e Twitter. Porém, isso não significa que a pessoa que fala o que bem entende esteja isenta do preconceito, censura e retaliação da sociedade.
           Explico. No ano de 2005, vivenciei uma situação extremamente incômoda na escola em que lecionava, por não concordar com algumas estratégias pedagógicas impostas pela direção. Sem citar nomes nem ofender ninguém, escrevi e publiquei um artigo intitulado “Sobre educação” no jornal do município. Obviamente, alguns calos foram pisados. E muitas colegas queriam que eu fosse sutilmente expulsa da escola apenas por escrever sobre o  que pensava ser uma educação libertadora, crítica e necessária.
            Pois bem, esse ano, novamente fui alvo de "censores" que não gostaram do que escrevi sobre um episódio ocorrido na Feira do Livro da cidade. Meus alunos foram barrados e não puderam conhecer uma determinada autora, pois uma parte do evento seria limitada às escolas do município (escrevi sobre isso num outro post desse blog). Dessa vez, mesmo não tendo identificado em qual escola trabalhava, sobrou até para minha diretora, que recebeu uma advertência de um representante do poder público municipal, um legítimo “puxão de orelha”. A situação seria cômica, se não fosse antes disso ridícula. Na farmácia que inevitavelmente frequento toda a semana, uma atendente me abordou e disse que havia lido a "nota" que escrevera no jornal. O comentário dela: "É chato, né?"Até agora estou pensando se ela se referia ao fato que originou minha manifestação ou se ela falava que é chato escrever sobre isso. De todo modo, acredito que se existisse o prêmio "Mala do Ano" na cidade eu ganharia, sem dúvida.
            Quem tem coragem de assumir o que pensa paga o preço. Pensar é chato.Quem fala o que pensa (ou escreve) inevitavelmente acumula muitos inimigos ao longo dos anos. Porque nem sempre as pessoas querem ouvir o que é dito  ou estão dispostas a debater algo com propriedade, civilidade e responsabilidade.  Não sei o que é pior: o veto oficial à liberdade de expressão, como acontecia nos tempos da ditadura, ou uma democracia de faz de conta, na qual as pessoas só estão dispostas a ouvir o que lhes agrada.
               "Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-la" (Voltaire).




terça-feira, 12 de novembro de 2013

Inveja de Bruna Surfistinha

          Raquel Pacheco, mais conhecida como Bruna Surfistinha, como todos sabem, é uma ex-prostituta que alcançou a fama ao criar um blog, posteriormente transformado em livro, relatando suas peripécias sexuais no mundo da prostituição. "O Doce Veneno do Escorpião" vendeu 250 mil cópias só no Brasil, fazendo sucesso também em Portugal e na Espanha. Além disso, virou filme, estrelado pela atriz global Débora Secco.
        Sexo, prostituição e pornografia são assuntos que repercutem e dão muito dinheiro.Não é à toa que livros, filmes e principalmente programas de TV estão recheados deles.  E não só no Brasil: em 2011,"50 Tons de Cinza" vendeu cerca de dez milhões de cópias nas primeiras seis semanas de divulgação, (um romance no melhor estilo água com açúcar que tenta parecer ousado abordando o sadomasoquismo), alcançando o topo das listas de mais vendidos, aqui e no exterior.
           Aliás, o ranking de mais vendidos da Revista Veja dá uma dimensão da literatura consumida em nosso país. O tema religião está presente em muitas obras do gênero não-ficção. Autores como Padre Marcelo Rossi, Fábio de Mello e o Bispo Edir Macedo vendem muito. Sim, Macedo, o proprietário da Rede Record e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, emplacou o primeiro lugar da lista este ano, com seu "Nada a Perder 2". Ele, que costuma persuadir seus fiéis seguidores a pagar o dízimo com frases do tipo "ou dá ou desce". Este senhor e os padres citados diferem da "escritora" Bruna não apenas na temática escolhida para suas obras. Antes de publicarem, eram eles pessoas já bem conhecidas, até mesmo famosas (e poderosas, no caso do bispo), diferentemente da ex-prostituta. Quando alguém compra um livro deles, está automaticamente (ainda que inconscientemente) comprando um nome, um personagem, ou melhor,  a imagem que tem do autor. O conteúdo, as ideias, são aspectos secundários.
          Pois é. Na terra de Valeska Popozuda e Bárbara Evans, no país em que, no passado recente, o programa de maior audiência veiculado pela TV aberta aos domingos era "A Banheira do Gugu", num lugar no qual o concurso "Miss Bumbum" é um evento anual alardeado pela mídia, só mesmo sendo Bruna Surfistinha para passar do anonimato total à posição de escritora best-seller. Que inveja!

domingo, 10 de novembro de 2013

Teoria que amanhece o dia e (quase) vira poesia

          Albert Einstein acordou, numa determinada manhã, em 1905, com vontade de criar. Parece que foi assim: " Relatividade? Como não pensei nisso antes?" E elaborou a revolucionária Teoria da Relatividade. Dizem que com Newton e Darwin foi igual.
         A ideia acima é totalmente surreal, absurda e inventada. Mas não podemos negar que existem pessoas que, mesmo inconscientemente, acreditam nela. Como se teoria fosse sinônimo de inspiração mágica. E algo bem enfadonho. Quando o cérebro dessas pessoas decodifica a palavrinha de seis letras - teoria - a memória que emerge é a do professor mais chato da época da Universidade. Portanto, teoria é um mal desnecessário e totalmente dispensável. Coisa de quem não tem o que fazer, ou melhor, tem tempo de sobra. Chega-se ao discurso: "Já conhecemos a teoria. Ela não serve para nada. Vamos à prática."
         E o que é a prática? As pessoas, as coisas, os objetos, os animais, acontecimentos ou fatos: o mundo, enfim. O mundo é a prática. A teoria busca explicar o mundo; logo, tenta compreender o que está nele.
        Aqui aparece a turma que gosta de explicar: os teóricos. São muitas questões para responder. Os mais ambiciosos ou profundos querem descobrir se Deus existe ou provar a origem da vida. Há os que buscam compreender a lógica por trás do consumismo. Tem os que indagam o futuro da escola, do livro e da família. E, como não poderia deixar de ser, os mistérios cotidianos também provocam. Por exemplo, por que motivo o Totozinho fica dando voltinhas no mesmo lugar antes de deitar e dormir?
          Mas há algo em comum em todas as teorias. Busca-se o entendimento do mundo. Muitas delas causaram (e causam) mudanças incontestáveis. São as teorias revolucionárias, resultantes de inspiração, sim, mas que sem trabalho e esforço, não vingariam. O próprio Einstein, em sua célebre frase, disse:
"O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário." Mas também conhecemos outros exemplos totalmente absurdos, frutos de pesquisas desnecessárias, que mais complicam do que explicam.
         Porém, ao contrário do que alguns pregam, as teorias são necessárias. Mais que isso: são fundamentais. Não caem do céu, nem surgem do nada. Demandam empenho, dedicação, seriedade, inovação e ousadia. Podem até ser contestadas, mas não negadas.
         Na época em que vivemos, reina a superficialidade. Estamos cada vez mais nos habituando ao conhecimento fragmentado, ao efêmero. Poucas pessoas se aventuram na complexidade teórica. Basta ter um perfil no Facebook, acompanhar as novelas, conversar sobre a nova moda para o verão ou lançamentos automotivos. Qualquer discussão mais aprofundada é evitada. Dá a impressão que a palavrinha de seis letras tem um link direto no cérebro de alguns, que direciona para outra palavra - chatice. 
        Epa! Melhor parar, ou corro o risco de criar algo memorável. Desconfio de que fui contaminada com o vírus da teoria que amanhece o dia. Amanheci assim, criando teoria, da noite pro dia. Seria esquizofrenia? Ainda que tardia? Agora chega, já está virando poesia.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Feira do Livro (Para quem pode)


Felicidade incomum

         Depois de um dia comum, trabalho na escola, em casa, compras no mercado, subindo as escadas para chegar ao apartamento, escuto um piado insistente vindo do sótão. Cansada, entro e sento-me uns instantes. O barulho persiste. Jantar quase pronto, os filhos pedindo isso e aquilo, até que não aguento mais e resolvo verificar que criatura é a causa do ruído tão estridente. Abro a porta do sótão (sim, no apartamento onde moro existe um) e vejo um pequeno pássaro, filhote, de olhos brilhantes, no escuro. Fita-me, amedrontado. "Vou ter que te tirar daí" - penso. Pego uma luva, dessas de forno, toda acolchoada, e parto para o resgate. Acomodo o bichinho na mão. Mas logo ele ensaia um voo breve e foge. Vai pra dentro de casa. As crianças acham lindo. Escolhiam até um nome pro dito cujo, por isso, rapidamente, digo que vou soltá-lo. Mas ele corre, com aquelas pernas desajeitadas, ainda maiores do que as asas, deixando pluminhas ralas pelo caminho.Insisto, ele se debate, voa mais um pouco, vai para a escada do prédio. Até que consigo levá-lo ao terreno dos fundos, onde há um pomar. Coloco-o no chão e logo aparece um casal de pássaros da mesma espécie (pardais, imagino). Ignorando o fato de que o pestinha emplumado poderia ser devorado por algum dos gatos que costumam zanzar por ali, prefiro acreditar que conseguiu voar até uma árvore suficientemente alta, sendo livrado do fim precoce. Ou que seus possíveis parentes o resgataram. Terminei o jantar sentindo uma felicidade inesperada. Afinal, nem sempre temos a oportunidade de dar uma chance a outra vida.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Dia do Professor (ou da depressão!)

                Este ano não ganhei nada no Dia do Professor. Fato inédito em treze anos de profissão.Nenhum cartãozinho com corações e letras coloridas. Nenhuma florzinha colhida sem haste no caminho de casa até a escola. Nenhum anjinho do R$1,99. Uma decepção.
             Mas, como desgraça pouca é bobagem, ao chegar em casa li o artigo do colunista Gustavo Ioschpe, da Revista Veja, assim entitulado: - "Seu valor é determinado por seu salário?". Ioschpe é um economista que adora escrever sobre a péssima qualidade da escola pública brasileira. E a Revista Veja me parece uma defensora ferrenha da meritocracia - aquele sistema no qual cada profissional recebe de acordo com sua eficiência ou produtividade no trabalho. No referido artigo, o colunista afirma que "o professor brasileiro ganha demais em relação ao que entrega". Ou ainda: "Não há correlação entre o salário dos professores e o aprendizado dos alunos".
               Para pensar um pouco, quero dar minha contribuição, a visão de uma professora de escola pública. Eu acredito que meu salário é inferior ao que realmente mereço. Justifico: planejo e organizo detalhadamente minhas aulas, geralmente no período da noite e nos finais de semana (não ganho um centavo pelo trabalho extra). Estando numa escola pública com poucos recursos e dando aulas para crianças carentes (em sua maioria), ao menos uma vez por semana sou obrigada a ir até a papelaria e gastar alguns reais, do meu diminuto salário, com materiais diversos (papel colorido, tinta, massa de modelar, argila, giz de cera, isopor, etc). Estou constantemente lendo, pesquisando e buscando aperfeiçoamento profissional.
               Porém, há o outro lado. Conheço muitos professores que realmente ganham demais pelo que fazem. Esses são relapsos, irresponsáveis, não planejam aulas, não refletem sobre sua prática. E o pior, muitos deles não leem o suficiente e não gostam de aprender. Sim, pois o professor que não gosta de aprender, no meu entendimento, é incapaz de ensinar bem.
             Invariavelmente, ao final de cada mês, todos os professores, "bons" ou "ruins", eficientes ou ineficientes, receberão o mesmo salário. Visto assim, é claramente uma situação injusta.
               No entanto, caso a meritocracia fosse adotada no sistema educacional brasileiro, creio que os professores seriam avaliados tendo como critério básico a aprendizagem (ou não-aprendizagem) de seus alunos.Mas temos que levar em consideração que a aprendizagem não depende exclusivamente do desempenho do professor. Existem muitos outros fatores que influenciam o processo. Penso que, antes de adotar a tal meritocracia, faz-se necessário um amplo e sério debate que esclareça como tal sistema funcionaria.
               E, apesar da desvalorização que venho sofrendo dia a dia como professora, apesar do Dia do Professor sem carinho nem reconhecimento, mesmo que economistas venham afirmar que recebo mais do que mereço, vou continuar sendo uma profissional dedicada e responsável. Não tenho medo nenhum de ser avaliada pelo trabalho que desenvolvo. Meu valor não é determinado pelo meu salário.

sábado, 5 de outubro de 2013

O poder da mídia a favor do professor




           A cultura brasileira é rica e diversificada. Há pessoas que afirmam ser o Brasil um país formado de muitos países, pois, além da nossa terra ser grande em tamanho, comporta ainda inúmeras manifestações artísticas, formas de viver e de falar. Infelizmente, nas últimas décadas, podemos notar que têm crescido a cultura vulgarizada, de baixa qualidade, artificial e altamente comercial.
       Tomemos o exemplo da música popular brasileira. Tivemos a MPB e a Bossa Nova, no passado. Agora nossos ouvidos são torturados com “criações” do tipo “Florentina de Jesus”, “Festa no Apê” e o mais recente sucesso “Quadradinho de oito”.  São músicas comerciais e que fazem sucesso instantâneo, principalmente entre as crianças e jovens. Ao analisarmos as letras dessas músicas, notaremos que são de mau gosto, vulgarizam a figura feminina, utilizam uma linguagem chula, sem ter nenhum propósito ou significado útil.
      Há também o exemplo das novelas. As telenovelas produzidas no Brasil são produções caras, cuidadosamente elaboradas e mundialmente conhecidas. Fazem parte da nossa cultura, das conversas do cotidiano e influenciam a vida dos brasileiros. Não é à toa que muitas marcas famosas usam as novelas para fazer merchandising, pois elas constituem uma enorme vitrine para os produtos e estimulam o consumismo. Porém, se analisarmos o conteúdo das mesmas, veremos o quanto as histórias podem ser vazias e inconsistentes. Muitas reforçam estereótipos, como no caso dos homossexuais, dos negros e dos pobres. Apenas recentemente podemos notar a presença de atores negros em papéis importantes; no passado, eles participavam apenas dos núcleos dos personagens pobres, ou ainda, figuravam como escravos nas novelas de época. Os índios também aparecem em personagens caricatos e artificiais. Além do mais, as novelas em geral estimulam o culto à vaidade e à beleza, com atrizes lindas, magras e perfeitas.
          Nossos alunos estão expostos a essa mídia diariamente e consequentemente aos valores nela implícitos. Nos últimos anos, tenho presenciado crianças e jovens que, questionados sobre seu futuro, afirmam que desejam ser modelo, atriz, cantor, jogador de futebol...
             O papel da escola é ajudar as crianças e jovens para que se conscientizem a respeito daquilo que escutam no rádio e do que assistem na TV.  Será que eles imaginam que tudo ali é cuidadosamente pensado e  tem como maior objetivo o lucro?
            Como professores, precisamos respeitar os gostos e preferências das crianças. Mas, ao ouvir um aluno cantarolar um refrão do tipo “Eu quero tchu” podemos questionar: quem fez essa música e por quê? O que está contido na letra dessa canção? Qual a mensagem que ela passa? Podemos partir dessa cultura vulgar, utilizá-la para mostrar aos alunos que estamos atentos aos seus interesses, mas que é necessário refletir sobre as palavras que estão cantando.
           Da mesma forma, as novelas proporcionam temas para muitas e variadas aulas. Podemos,  nessa perspectiva, questionar o que elas mostram, o que valorizam, os conceitos e preconceitos embutidos em cada capítulo.
           Não precisamos parar no questionamento e na reflexão. Devemos oferecer aos nossos alunos o contato com outros tipos de músicas e de expressões culturais. Será que algum dia eles tiveram a oportunidade de ouvir música clássica? Imaginam eles que um dia existiu Mozart, ou Bethoveen? Ou ainda, conhecem a boa e diversificada música brasileira? Como exemplo, as músicas “Que país é esse”, “Perfeição” e “A canção do Senhor da Guerra” do grupo Legião Urbana, poderiam originar aulas interessantes e pertinentes ao contexto atual, não só do Brasil, mas do mundo.
           É tarefa da escola e do professor abordar essa realidade, questionar os alunos nesse sentido e utilizar boas referências culturais para tentar, aos poucos, conscientizá-los de que existe um mundo bem melhor, mais significativo e interessante, que não está nas novelas e nem nos “sucessos  musicais instantâneos” alardeados pelos meios de comunicação de massa.



segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Violência e criminalidade no Brasil estão com os dias contados!!!



           Nessa segunda-feira, 23 de setembro de 2013,  entra em vigor a lei, no Distrito Federal, que proíbe a fabricação e comercialização de armas de brinquedo. Qualquer tipo de arma de brinquedo, não só as réplicas, mas também aquelas que disparam bolinhas, espumas, luzes a laser, que produzem sons ou projetam qualquer substância que faça associação às armas de fogo, estão proibidas no DF. O argumento que defende tal medida é o de inibir a cultura da violência e as brincadeiras que possam levar os jovens à criminalidade.
         Portanto, se você vive com medo de assaltos, instalou sistema de alarme de segurança na sua casa, não precisa mais ter  receio de ser furtado, assaltado ou morto. Provavelmente essa lei será estendida ao restante do Brasil, seus problemas acabaram!
          Agora, imagine só as seguintes cenas:
         “Zezinho, onze anos, morador da favela da Rocinha. Passou a manhã toda brincando com sua arminha que dispara bolhas coloridas de sabão. Seu tio Maneco passa no barraco, onde o menino mora com sua mãe e mais cinco irmãos, convidando o sobrinho para um assalto relâmpago. Rapidamente, Zezinho guarda seu brinquedinho e saca um 38, pronto para a ação criminosa!”
        Pode até aparecer no noticiário, à noite, na cobertura jornalística de mais um crime cometido por menor de idade. Aí a opinião pública vai ficar se perguntando o que levou o menino a tornar-se bandido. Falta de uma boa escola, de condições financeiras, de políticas públicas voltadas as crianças e aos adolescentes, a própria estrutura social que empurra milhares de jovens para a criminalidade? Não! A arma de bolhas, ela é a culpada!
           Ou então...
        “Lucas, dez anos, nasceu e cresceu numa família de classe média, frequenta escola particular, nunca precisou recorrer ao SUS quando adoeceu, cercado de amor e carinho pela família, adora ler e brincar no playground do prédio de condomínio fechado super seguro no qual mora. Certo dia, Lucas cansa da sua arma NERF que dispara raio-laser e pede de presente de aniversário para seu pai uma metralhadora. Decide criar uma gangue para aterrorizar o comércio local, com seus amiguinhos do playground.”
           Surreal, não? Parece que os autores dessa lei pensam que na realidade é assim.

domingo, 22 de setembro de 2013

Por que um escritor escreve?



          Alguém um dia afirmou que todos deveriam, durante sua vida, ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Grande parte dos mortais consegue realizar os dois primeiros feitos. O último deles restringe-se aos escritores. Em tempos de internet, muitos se dizem autores e publicam livremente suas obras: livros, poemas, músicas, artigos, crônicas...Não cabe discutir a qualidade do que circula por aí. Mas o que faz alguém ter o impulso de expressar palavras escrevendo-as?
          O verdadeiro escritor, ou autor, é aquele que escreve por necessidade, pois se não o fizer, acaba sufocado pelo não escrito. As palavras transcendem a própria existência do escritor, elas exigem tomar forma, sair, libertar-se. O autor é livre quando consegue libertar suas palavras.
        Podemos perceber principalmente nos poetas essa necessidade. A poesia serve para quê? Nada além de expressar e comunicar o sentimento e a vida através de palavras. Ela não quer ensinar algo, informar ou instruir. Apenas leva o leitor, a cada verso, a sentir.
         Nos versos de Walt Withman:
“Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado.
E disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
E minha alma disse: Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho.”


sábado, 31 de agosto de 2013

Quanto vale o show?

          Li um livro muito interessante do escritor gaúcho Juremir Machado - "A sociedade midíocre". Nele, o autor discorre sobre os livros, a internet, o autor, a mídia, e, o que mais me chocou, o fim da leitura e da escrita. Mas uma colocação de Juremir me fez refletir muito. Conta o autor que um vaso sanitário que pertenceu a John Lennon foi leiloado por alguns milhares de dólares. Tal objeto havia sido dado de presente pelo próprio Jonh a um senhor humilde, que o utilizava para dentro cultivar flores.
       Ou seja, para esse senhor simples, era apenas um objeto. Para a pessoa que o arrematou, era o VASO NO QUAL JOHN LENNON SENTOU UM DIA. Portanto, nada mais natural do que gastar uma pequena fortuna e levá-lo para casa.
        Pois bem, essa reflexão me fez lembrar da situação que vivi alguns meses atrás. Esperei ansiosamente pelo show de rock da minha banda favorita. Comprei ingressos, passagem de avião, hotel reservado, uma enorme expectativa. No grande dia, quase não acreditava que viajara até São Paulo (moro no interior do RS) para escutar as músicas dos meus ídolos. Chorei, gritei, cantei e vibrei durante o show, mesmo após esperar onze horas em pé, sem comer direito, sob um sol escaldante.     Mas, bem na minha frente, havia um corredor onde ficavam os seguranças contratados para conter a impolgação do público. Uma senhora, que parecia ser bem humilde, passou o tempo todo usando os protetores de ouvidos, de cara fechada, visivelmente entediada e cansada daquilo tudo. Ou seja, a banda que eu tanto amo e idolatro, para ela, era algo insignificante. E pensar na situação dela, que estava ali visivelmente incomodada, apenas para ganhar uns trocados, fez com que parte do espetáculo perdesse a graça.
              Enfim, cada um dá o valor ao vaso e a banda conforme suas necessidades e interesses. O fato é que, em nossa sociedade, cada vez mais damos importância e valor a coisas fúteis. Lamentável.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa



Tinha um barquinho no meio do oceano
No meio do oceano tinha um barquinho

            Tomei a liberdade de adaptar os célebres versos do grande poeta Drummond aos acontecimentos que presencio ultimamente. Explico: eu, uma mera professorinha do interior do Estado, sou o barquinho. O oceano é a imensa, complexa e, por vezes, confusa educação brasileira. E o motivo que me faz refletir sobre tudo isso chama-se Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa.
            Recentemente o Governo Federal lançou o referido programa tendo como objetivo a alfabetização, até o 3º ano do Ensino Fundamental, de todos os alunos das escolas públicas brasileiras. Ou seja, um acordo visando alfabetizar plenamente as crianças tendo como limite máximo a idade de oito anos.
            Confesso que tal mobilização do governo gerou em mim uma grande esperança e também uma enorme expectativa. Finalmente os responsáveis pelos rumos da educação no país estavam tentando reverter uma triste realidade presente em muitos lugares do Brasil: a situação de alunos que chegam ao 4º ano do ensino fundamental (ou até mais longe) sem saber ler nem escrever.
            Dessa forma, fomos nós, educadores, recrutados e apresentados ao tão esperado Pacto. Após cinco encontros, comecei a sentir-me um tanto frustrada. Meu anseio era o de que discutíssemos sobre a problemática que deu origem a medida do governo, ou seja, por que motivo ou motivos os alunos não estão aprendendo. Mas, até agora, as reuniões resumiram-se a dois aspectos. Um deles diz respeito às teorias do conhecimento e metodologias de ensino, que são repassadas de forma muito rápida e superficial. Sabemos o quanto é importante a teoria e que ela serve de suporte para o trabalho diário em sala de aula. Porém, as noções básicas sobre alfabetização, letramento e ensino-aprendizagem em geral a grande maioria dos professores já domina. Portanto, penso que essas revisões de referenciais de autores muito importantes, da forma como estão ocorrendo, constituem uma perda de tempo.
            Em outros momentos do referido Pacto os educadores são incentivados a trocar experiências, relatando técnicas e atividades que costumam aplicar. Novamente, sabemos que a socialização de ideias é importante, constituindo um recurso para enriquecer nossas aulas. No entanto, essa troca já acontece em outras reuniões de formação, nos municípios e escolas, no diálogo que temos como colegas, sem falar na internet. Sim, é possível acessar a rede mundial de computadores e através dela descobrir uma infinidade de atividades, técnicas e metodologias de trabalho, sem sair de casa! Acredito ser totalmente desnecessário deslocar milhares de professores em todo país para que se reúnam e troquem experiências, pois isso já está sendo feito!
            Penso que é necessário questionarmos: que perfil de professor predomina nos anos iniciais? Percebo que há aqueles prestes a aposentar-se, vindos de uma caminhada considerável e com práticas distintas. Há os iniciantes, e também aqueles que não têm uma formação voltada à alfabetização, ou seja, que cursaram por exemplo, Educação Física, Geografia, etc. Partindo dessa heterogeneidade, imagino ser imprescindível que um programa a nível federal voltado à alfabetização esclareça com profundidade: de que forma a criança se apropria do sistema de escrita? Como acontece o processo? Ofereço meu exemplo: cursei Pedagogia, estudei quatro anos sobre isso, continuei lendo e pesquisando, mas, no entanto, não estou livre das dúvidas.
            O que tento explicitar é o seguinte: sabemos que as crianças elaboram hipóteses sobre a língua escrita e que há vários níveis de aprendizagem quando falamos em alfabetizar. Sabemos também que, para que o aluno avance, é preciso criar situações em que ele teste essas hipóteses. É justamente aí que o professor precisa ter embasamento, estudo, segurança. Primeiramente, para entender em que fase a criança está. Depois, para agrupar os alunos de níveis distintos de forma criteriosa, momento no qual será feito o “confronto” entre as concepções que cada um tem  a respeito de como escrever determinada palavra ( é quando eles testarão as hipóteses e poderão superar conflitos).
            É justamente o esclarecimento dessas questões que buscava no Pacto. Como ajudar um aluno que escreve e não lê? E aqueles que não avançam nos níveis, apesar de todas as intervenções que fiz? Na minha concepção, está faltando a “ponte”. É o que é a ponte? É a conexão entre teoria e prática.  Já cansei de ouvir alguns colegas dizerem “de nada adianta esse blá-blá-blá ideológico, Paulo Freire não era professor, Emilia Ferreiro nunca deu aula, etc....”Mas não podemos simplesmente ignorar as contribuições desses e de outros pensadores da educação, alegando que a realidade é muito diferente e que eles pregam uma utopia. Sou uma defensora de que a prática dissociada do embasamento teórico é vazia e frágil. Assim como também acredito que ao ensinar, vou aprendendo com meus alunos e ressignificando tudo o que li, reli, escutei e aprendi com os grandes educadores. Então, precisamos sim rever nossos conceitos e o papel de educadores num novo contexto. É urgente que nos desvencilhemos dos velhos “trabalhinhos” (alguns já amarelados pela ação do tempo) que ainda teimamos em repassar às crianças. Necessitamos priorizar a construção do conhecimento e não apenas transmitir informações, pois isso não faz mais sentido no mundo em que vivemos.
            Enfim, o barquinho aqui está tendo dificuldades em encontrar um rumo em meio ao oceano de dúvidas da educação brasileira. Espero que o Pacto consiga sair do papel, no qual está maravilhosamente bem estruturado, planejado e fundamentado, e venha de encontro às experiências práticas de sala de aula, de uma forma consistente e eficaz, para que os barquinhos consigam navegar por caminhos seguros em direção a um ensino de mais qualidade.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O menino que aprendeu a ler

            Em pleno inverno, no rigoroso frio de quatro graus centígrados, meu aluno Daniel veste uma simples regatinha que deixa seus bracinhos mirrados de fora. Questiono se não está sentindo frio, ao que ele prontamente responde: não sinto frio, professora.
         Daniel é um guerreiro. Chegou a turma do segundo ano sem saber ler nem escrever. Mas nunca intimidou-se por isso: segurava seu toquinho de lápis e ia em frente. Os colegas tudo sabiam, ele patinava para acompanhar.
         Filho de mãe analfabeta, não tinha quem lesse os bilhetes e avisos mandados pela escola para sua casa. Jornais, livros ou gibis eram coisas inexistentes em seu lar. Enquanto os colegas traziam bolachas, refrigerantes e doces para merendar, ele contentava-se com o lanche oferecido pelo colégio. 
      Mas, apesar de todas as incertezas e medos que rondavam meus pensamentos ao pensar na alfabetização de Daniel, um dia, ao avistar um anúncio afixado na sala de aula, ele leu: "Bazar da So - so- solida o quê fessora?" 
          Eu, incrédula, olhei para o menino e completei :"solidariedade". Sim, ele estava lendo. Rapidamente, catei um livro e pedi que ele sentasse ao meu lado. Gaguejando, com dificuldade, ele leu todo o livro. E o melhor,  divertiu-se ao fazê-lo. Pediu  se poderia levar a história e ler mais em casa.
        É óbvio que, nesse dia, voltei para casa com a sensação de que meu peito estava cheio.Não de orgulho, mas de felicidade. Felicidade porque tinha certeza de que havia descortinado para meu aluninho tão humilde um novo mundo, diferente daquele que ele conhecia. 
          O menino segue me surpreendendo. Depois de alguns meses, progrediu consideravelmente na escrita. Numa determinada aula, ao realizar as atividades no caderno, encostou em mim e senti aquele cheirinho de fumaça da sua roupa, misturado ao odor de suor. Coloquei um enorme elogio com letras garrafais no seu trabalho. Daniel questionou o que eu havia escrito. Eu disse: "leia". Ao perceber o que a mensagem dizia, ele declarou: "vou mostrar para minha mãe".
          Não posso deixar de pensar que, se um dia porventura algum governante desse nosso enorme país tiver a oportunidade de presenciar um momento como este, em que você percebe claramente a importância do professor na vida de um aluno, nós, educadores, não precisaremos mais lutar por salário e valorização profissional. Porque o que uma criança aprende, o conhecimento que ela constrói, ninguém pode tirar. E o professor é presença fundamental e indispensável nesse processo.
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