terça-feira, 12 de novembro de 2013

Inveja de Bruna Surfistinha

          Raquel Pacheco, mais conhecida como Bruna Surfistinha, como todos sabem, é uma ex-prostituta que alcançou a fama ao criar um blog, posteriormente transformado em livro, relatando suas peripécias sexuais no mundo da prostituição. "O Doce Veneno do Escorpião" vendeu 250 mil cópias só no Brasil, fazendo sucesso também em Portugal e na Espanha. Além disso, virou filme, estrelado pela atriz global Débora Secco.
        Sexo, prostituição e pornografia são assuntos que repercutem e dão muito dinheiro.Não é à toa que livros, filmes e principalmente programas de TV estão recheados deles.  E não só no Brasil: em 2011,"50 Tons de Cinza" vendeu cerca de dez milhões de cópias nas primeiras seis semanas de divulgação, (um romance no melhor estilo água com açúcar que tenta parecer ousado abordando o sadomasoquismo), alcançando o topo das listas de mais vendidos, aqui e no exterior.
           Aliás, o ranking de mais vendidos da Revista Veja dá uma dimensão da literatura consumida em nosso país. O tema religião está presente em muitas obras do gênero não-ficção. Autores como Padre Marcelo Rossi, Fábio de Mello e o Bispo Edir Macedo vendem muito. Sim, Macedo, o proprietário da Rede Record e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, emplacou o primeiro lugar da lista este ano, com seu "Nada a Perder 2". Ele, que costuma persuadir seus fiéis seguidores a pagar o dízimo com frases do tipo "ou dá ou desce". Este senhor e os padres citados diferem da "escritora" Bruna não apenas na temática escolhida para suas obras. Antes de publicarem, eram eles pessoas já bem conhecidas, até mesmo famosas (e poderosas, no caso do bispo), diferentemente da ex-prostituta. Quando alguém compra um livro deles, está automaticamente (ainda que inconscientemente) comprando um nome, um personagem, ou melhor,  a imagem que tem do autor. O conteúdo, as ideias, são aspectos secundários.
          Pois é. Na terra de Valeska Popozuda e Bárbara Evans, no país em que, no passado recente, o programa de maior audiência veiculado pela TV aberta aos domingos era "A Banheira do Gugu", num lugar no qual o concurso "Miss Bumbum" é um evento anual alardeado pela mídia, só mesmo sendo Bruna Surfistinha para passar do anonimato total à posição de escritora best-seller. Que inveja!

domingo, 10 de novembro de 2013

Teoria que amanhece o dia e (quase) vira poesia

          Albert Einstein acordou, numa determinada manhã, em 1905, com vontade de criar. Parece que foi assim: " Relatividade? Como não pensei nisso antes?" E elaborou a revolucionária Teoria da Relatividade. Dizem que com Newton e Darwin foi igual.
         A ideia acima é totalmente surreal, absurda e inventada. Mas não podemos negar que existem pessoas que, mesmo inconscientemente, acreditam nela. Como se teoria fosse sinônimo de inspiração mágica. E algo bem enfadonho. Quando o cérebro dessas pessoas decodifica a palavrinha de seis letras - teoria - a memória que emerge é a do professor mais chato da época da Universidade. Portanto, teoria é um mal desnecessário e totalmente dispensável. Coisa de quem não tem o que fazer, ou melhor, tem tempo de sobra. Chega-se ao discurso: "Já conhecemos a teoria. Ela não serve para nada. Vamos à prática."
         E o que é a prática? As pessoas, as coisas, os objetos, os animais, acontecimentos ou fatos: o mundo, enfim. O mundo é a prática. A teoria busca explicar o mundo; logo, tenta compreender o que está nele.
        Aqui aparece a turma que gosta de explicar: os teóricos. São muitas questões para responder. Os mais ambiciosos ou profundos querem descobrir se Deus existe ou provar a origem da vida. Há os que buscam compreender a lógica por trás do consumismo. Tem os que indagam o futuro da escola, do livro e da família. E, como não poderia deixar de ser, os mistérios cotidianos também provocam. Por exemplo, por que motivo o Totozinho fica dando voltinhas no mesmo lugar antes de deitar e dormir?
          Mas há algo em comum em todas as teorias. Busca-se o entendimento do mundo. Muitas delas causaram (e causam) mudanças incontestáveis. São as teorias revolucionárias, resultantes de inspiração, sim, mas que sem trabalho e esforço, não vingariam. O próprio Einstein, em sua célebre frase, disse:
"O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário." Mas também conhecemos outros exemplos totalmente absurdos, frutos de pesquisas desnecessárias, que mais complicam do que explicam.
         Porém, ao contrário do que alguns pregam, as teorias são necessárias. Mais que isso: são fundamentais. Não caem do céu, nem surgem do nada. Demandam empenho, dedicação, seriedade, inovação e ousadia. Podem até ser contestadas, mas não negadas.
         Na época em que vivemos, reina a superficialidade. Estamos cada vez mais nos habituando ao conhecimento fragmentado, ao efêmero. Poucas pessoas se aventuram na complexidade teórica. Basta ter um perfil no Facebook, acompanhar as novelas, conversar sobre a nova moda para o verão ou lançamentos automotivos. Qualquer discussão mais aprofundada é evitada. Dá a impressão que a palavrinha de seis letras tem um link direto no cérebro de alguns, que direciona para outra palavra - chatice. 
        Epa! Melhor parar, ou corro o risco de criar algo memorável. Desconfio de que fui contaminada com o vírus da teoria que amanhece o dia. Amanheci assim, criando teoria, da noite pro dia. Seria esquizofrenia? Ainda que tardia? Agora chega, já está virando poesia.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Feira do Livro (Para quem pode)


Felicidade incomum

         Depois de um dia comum, trabalho na escola, em casa, compras no mercado, subindo as escadas para chegar ao apartamento, escuto um piado insistente vindo do sótão. Cansada, entro e sento-me uns instantes. O barulho persiste. Jantar quase pronto, os filhos pedindo isso e aquilo, até que não aguento mais e resolvo verificar que criatura é a causa do ruído tão estridente. Abro a porta do sótão (sim, no apartamento onde moro existe um) e vejo um pequeno pássaro, filhote, de olhos brilhantes, no escuro. Fita-me, amedrontado. "Vou ter que te tirar daí" - penso. Pego uma luva, dessas de forno, toda acolchoada, e parto para o resgate. Acomodo o bichinho na mão. Mas logo ele ensaia um voo breve e foge. Vai pra dentro de casa. As crianças acham lindo. Escolhiam até um nome pro dito cujo, por isso, rapidamente, digo que vou soltá-lo. Mas ele corre, com aquelas pernas desajeitadas, ainda maiores do que as asas, deixando pluminhas ralas pelo caminho.Insisto, ele se debate, voa mais um pouco, vai para a escada do prédio. Até que consigo levá-lo ao terreno dos fundos, onde há um pomar. Coloco-o no chão e logo aparece um casal de pássaros da mesma espécie (pardais, imagino). Ignorando o fato de que o pestinha emplumado poderia ser devorado por algum dos gatos que costumam zanzar por ali, prefiro acreditar que conseguiu voar até uma árvore suficientemente alta, sendo livrado do fim precoce. Ou que seus possíveis parentes o resgataram. Terminei o jantar sentindo uma felicidade inesperada. Afinal, nem sempre temos a oportunidade de dar uma chance a outra vida.
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