sábado, 15 de março de 2014

Escola pública: agonia, morte e... Esperança?



Escola pública: agonia, morte e... Esperança?

A escola pública brasileira agoniza há muito tempo. Situação conhecida de quase todos: alunos desinteressados, professores desmotivados, políticas públicas ineficientes, descaso, abandono, sucateamento... No ano passado, foi divulgada a classificação do Brasil no último teste de PISA (Programme for International Student Assessment - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).  Apesar de ter avançado timidamente nos últimos anos, nosso país ficou em 55º lugar no ranking das médias de leitura; em matemática, estamos em 58ª posição; em ciências, ocupamos o 59º posto (num total de 65 países participantes). Ou seja, um fiasco total.
            O governo, vendo a educação brasileira na “UTI", toma suas medidas paliativas. Um exemplo delas: o Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa, maravilhosamente alardeado e maquiado pelo marketing das propagandas. Esse ano vem aí sua versão para o Ensino Médio. Acontece que paciente de UTI é complicado e nem sempre medidas paliativas resolvem. Nesse cenário sofrem todos: os professores, os alunos e a sociedade.
             Resta constatar, assim como quando temos um parente em estado terminal, sofrendo, não existindo mais alternativas ou esperanças de recuperação: melhor morrer.
              A escola pública precisa morrer, ser sepultada, enterrada. Fim.
            O modelo educacional adotado até agora não vingou. Não é necessário recorrer a índices, estatísticas e testes internacionais para concluir isso. A realidade está escancarada e evidente aos que querem enxergá-la. No final de 2013 uma reportagem do jornal Zero Hora demonstrou essa realidade, acompanhando o cotidiano de uma turma de Ensino Médio na tradicional Escola Júlio de Castilhos – o Julinho. A repercussão da reportagem provocou uma busca pelos "culpados" pela situação. Acontece que quando o assunto é educação, todos têm um culpado para apontar, mas poucos têm a disposição de refletir sobre o tema e buscar soluções coletivas.
            Talvez se fôssemos uma cultura do diálogo e não da radicalização, pudéssemos chegar a alguns pontos fundamentais para que, aos poucos, surja uma nova escola pública no Brasil. Sendo a típica brasileira que adora opinar sobre quase tudo ( creio que sobre esse assunto tenho leituras e experiências suficientes para ousar opinar), sugiro algumas ideias:
1 – Colocar o discurso bonito em prática. Sabemos o que dá certo. Lemos Paulo Freire, Emilia Ferreiro, Telma Weisz, Morin, Magda Soares e tantos outros. Caso conseguíssemos concretizar, em nosso fazer pedagógico, metade do que sabemos, falamos, discursamos, já estaríamos elevando o nível do ensino. Coerência, mais coerência. Não basta constar no Projeto Político Pedagógico das escolas que almejamos formar “cidadãos críticos e conscientes” se nossos alunos são analfabetos funcionais. Aproximar o real do ideal. Difícil, mas não impossível.
2 – Professores comprometidos. Posso cursar uma pós-graduação, participar de formações continuadas, assistir a diversas palestras sobre educação, e, apesar disso, minha prática pode continuar sendo deficiente, ou ineficiente, se não estou comprometida com o processo de ensino-aprendizagem. Não estou falando de “vocação” ou “dom” para ensinar, mas sim de profissionais conscientes de sua importância e engajados no dia-a-dia da escola. No entanto, se a própria sociedade e os governos desvalorizam o professor, fica difícil exigir comprometimento. Um dilema a ser superado.
3– A escola como forma de superação e aperfeiçoamento individual. Quem nunca se sentiu bem ao aprender algo novo,  quando superou uma grande dificuldade ou limitação pessoal? Aquele que aprende sente-se capaz, valorizado, tem sua autoestima elevada. Curiosidade, descoberta e pesquisa devem ser contrapontos à inércia, passividade e reprodução características do ensino em geral. Uma escola inovadora na qual os alunos sintam prazer de aprender (e não alívio quando ouvem o sinal no horário da saída).
4- Conhecer, divulgar e adotar práticas educacionais relevantes e eficientes. Apesar da crise quase generalizada, há bons exemplos. A Fundação Victor Civita premia anualmente os “10 melhores educadores” selecionados dentre milhares de participantes que enviam seus projetos e práticas pedagógicas. Quem foram os dez ganhadores de 2013? Que trabalhos os professores premiados desenvolveram? Que características seus projetos tinham? Esses projetos podem ser aplicados ou adaptados a outras realidades? Não são apenas as crianças que aprendem através de exemplos, nós, educadores, precisamos estar atentos às práticas de sucesso e que comprovadamente resultam em aprendizagem.
5 – Mais eficiência na gestão e aplicação de recursos.  Quem está dentro da escola pública sabe das dificuldades diárias: falta de bibliotecas, de laboratórios de Ciências e Informática, alunos praticando Educação Física debaixo de um sol escaldante, livros didáticos insuficientes... Quando se fala em Plano Nacional de Educação (PNE, aprovado em 17 de dezembro de 2013) e suas vinte metas, há que se atentar para problemas históricos que, caso não sejam resolvidos, impedirão os avanços almejados. Porque planos, metas e objetivos são concretizados quando existem condições favoráveis para tal. Sem falar que nas transições de governos sempre se volta à estaca zero. Quando um novo governo assume, vem junto um novo pacote para a Educação, e não importa o quanto se tenha avançado nos anos que passaram, não se faz uma avaliação para manter os bons programas e modificar o que precisa ser modificado. A Educação de um povo precisa estar acima de interesses políticos. Além de professores comprometidos, governos comprometidos.
        Obviamente as ideias expostas acima são decorrentes de algumas reflexões como professora numa escola pública estadual. Não estou tentando inventar a roda. Acredito que não há soluções mágicas e que apenas um esforço conjunto entre sociedade e governo seja capaz de criar condições para uma nova escola pública. Porque, como diz o ditado, a esperança é a última que morre.




quinta-feira, 6 de março de 2014

Brasil, país da Copa. Brasil, país do abismo




                  Luizinho e Ronaldinho são dois meninos de nove anos de idade que moram numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul.
                  Luizinho é filho de um advogado e de uma dentista. Cresceu num ambiente letrado, em meio a livros, revistas, jornais e gibis. Em sua casa há dois computadores, notebook e tablets com acesso à internet, além de TV à cabo. Desde muito cedo teve brinquedos e jogos adequados às diferentes fases de seu desenvolvimento.
                Ronaldinho é filho de uma dona de casa. Seu pai trabalha eventualmente fazendo "bicos" como servente de obras na construção civil. Na casa deles não há livros ou revistas; jornais, apenas os velhos, para queimar no fogão à lenha. Nada de computador e internet.
                  Luizinho iniciou sua escolarização numa escola de educação infantil aos três anos de idade. Ao ingressar no primeiro ano do Ensino Fundamental estava praticamente alfabetizado.
               Ronaldinho não frequentou a educação infantil. Somente ao ingressar no primeiro ano conheceu  as letras, os números, os livros. Ele não aprendeu a ler nem a escrever no decorrer daquele ano. Nem do ano seguinte. E nem no outro.
                 Luizinho estuda numa escola particular. Compra o lanche diariamente na padaria. Suas escolhas preferidas são água de coco, suco, coxinha, pastel e sanduíche.
                 Ronaldinho come a merenda oferecida pela escola pública na qual estuda. Quando servem algo que ele não gosta, passa a tarde sem lanchar.
                Na lista de material escolar de Luizinho constavam mais de sessenta itens, dentre eles, livros de literatura infantil e dicionário. Ele também ganhou uma mochila nova que custou duzentos e cinquenta reais.
                 Na lista de materiais de Ronaldinho foram solicitados dez itens básicos, como lápis de escrever e cadernos. Mas ele iniciou as aulas sem nada. A mãe utilizou o dinheiro do bolsa-família para fazer  as compras no mercado. A escola e os professores doaram ao menino o material necessário, que ele guardou na mochila herdada do irmão mais velho.
                Na escola de Luizinho os alunos são constantemente avaliados, inclusive através de provas, a partir do segundo ano. Há reprovação para aqueles que não atingem os objetivos de cada ano. A tarefa de casa é diária e utilizada pelos professores como forma de criar hábitos de estudo e de reforçar o que é trabalhado em sala de aula.
                Na escola de Ronaldinho não há reprovação até o quarto ano. Não há provas nem avaliações. Os professores dificilmente dão tarefa de casa. A escola afirma que criança precisa ter  tempo de brincar e deve ser poupada de atividades escolares extras.
                  Luizinho não teve problemas para aprender, mas, caso tivesse, receberia apoio da família. Seria levado a médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e pedagogos, caso fosse necessário.
               Ronaldinho apresentou dificuldades para aprender e acompanhar o ritmo  das turmas desde o início de sua escolaridade. Na cidade em que mora há apenas uma psicóloga (paga pelo Estado) para atender a demanda de todas as escolas do município. A escola que frequenta não oferece reforço escolar por falta de recursos humanos. Sua família, carente, não tinha condições de contratar serviços particulares para ajudar a criança.
                Luizinho está no quarto ano do Ensino Fundamental e continua estudando em escola particular. Na primeira semana de aula de 2014, leu um texto de três páginas e identificou o assunto de cada parágrafo.
                 Ronaldinho também está no quarto ano, numa escola pública. A professora, notando que o menino não conseguia realizar as atividades em aula, ditou dez palavras para que o menino as escrevesse. Ele não conseguiu escrever nenhuma palavra. Ronaldinho continua analfabeto após três anos de escolarização. Indagado sobre o que gostaria de aprender durante o ano na escola, o menino disse: "Aprender a ler."
                    Luizinho passa boa parte de seu tempo livre em frente ao computador e no futuro pretende ser criador de games.
                  Ronaldinho enfrenta dificuldades no laboratório de informática da escola pois não consegue localizar as letras no teclado do computador. Ele não tem ideia do que deseja para o futuro.
                  Luizinho diz que não está muito empolgado com a Copa do Mundo e que só assistirá aos jogos se não tiver algo melhor para fazer.
                Ronaldinho, apesar de ter sido batizado com esse nome em homenagem ao jogador, não gosta muito de futebol. Mas tem esperança que o pai ganhe o carro zero da promoção "Torça, ganhe" de uma loja da cidade.
               Luizinho e Ronaldinho nasceram e cresceram no país da Copa do Mundo de 2014.
               O país do abismo. Abismo social, cultural e econômico.
                 Brasil, país da justiça social?
                  Brasil, país da igualdade?
                  Um dia, apesar da Copa, quem sabe?


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