quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Ainda o bullying



        Um menino com problemas em casa, estranho, com dificuldades de relacionamento na escola. Uma situação tensa, em que os colegas ridicularizavam alguém frágil emocionalmente. Esse é o tema da música “Jeremy”, da banda norte-americana Pearl Jam, gravada em 1991, numa época em que falar sobre bullying não estava na moda. Eis um trecho da música e o vídeo:



“Me lembro claramente
Perseguindo o garoto
Parecia uma sacanagem inofensiva
Oh, mas nós libertamos um leão”

      O Jeremy da letra da música termina com a própria vida dentro da sala de aula. Já seria terrível se fosse apenas ficção, mas a história realmente aconteceu. 

   Um garoto de uma escola da cidade de Richardson (EUA), em 1988, descrito como um “introvertido”, suicidou-se na frente de seus 30 colegas de classe.

      Segundo a polícia, Jeremy Wade Delle, de 16 anos, que havia sido transferido de uma escola de Dallas, morreu na hora após puxar o gatilho de uma Magnun calibre 357 enfiada em sua boca, por volta das 9:45 da manhã. 

      Por ter perdido o horário da aula, sua professora de inglês do segundo ano pediu a Jeremy que fosse à secretaria pegar uma autorização de entrada por atraso. Ao invés disso, ele retornou a sala de aula com a arma.

      Anos depois, o vocalista do Pearl Jam, Eddie Vedder, criou a música Jeremy ao recordar da notícia que lera no jornal.
         
        Caso parecido aconteceu esse ano. Um menino de 12 anos, da Inglaterra, enforcou-se após não mais suportar as humilhações dos colegas de turma. Ele chegou a ser socorrido pela mãe, ficou uma semana no hospital, em coma. Durante esse período, os pais fotografaram o menino e postaram as imagens na internet. O objetivo deles era que os agressores do menino percebessem o que haviam provocado.

      Esses são dois casos que mostram o sofrimento extremo de crianças provocado por outras crianças (ou adolescentes). A dor é tão grande que elas preferem acabar com a própria vida e parar de sofrer. Sabemos que há ainda casos nos quais, como nos assassinatos em massa em escolas ao redor do mundo, mas principalmente nos EUA, os suicidas decidem matar antes de morrer. Nada justifica tal ato insano, mas se investigarmos a vida dos assassinos-suicidas descobriremos, quase sempre, um histórico de sofrimento, revolta e exclusão causados pelo bullying.
 
     O bullying, antes de ser uma “moda”, é  reflexo de uma sociedade portadora da ignorância social. São ignorantes sociais aqueles que excluem, rotulam, ridicularizam e segregam pessoas diferentes. São aqueles que não suportam que seu sistema de crenças e valores seja abalado. Homossexuais, negros, pobres, velhos, mendigos, são alvos frequentes dos ataques desses ignorantes. Ou então crianças cujo comportamento ou aparência não estão de acordo com o que é socialmente “desejável” e “aceitável”.    
    
     Sabemos que crenças e valores são moldados desde o nascimento no convívio familiar. Portanto, pais ignorantes sociais vão formar aquelas criaturas abomináveis que adoram praticar o bullying. É na família que podemos evitar casos como os dos dois garotos acima.



segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Professora de escola pública, com muito orgulho!






              Durante um bom tempo convivi com um sentimento de inferioridade e até vergonha devido à minha profissão: professora de escola pública. Constantemente, ao fazer compras nas lojas da cidade,  quando as vendedoras perguntavam qual era minha ocupação, ao responder notava olhares que denunciavam seus pensamentos: " professora, coitada!".  A figura do professor vem sendo constantemente desvalorizada e estigmatizada pela sociedade em geral. Parece que há um consenso de que só "vira" professor quem não teve capacidade ou oportunidade para conseguir algo melhor.
           Servem como exemplo alguns economistas de destaque na mídia. Parece que eles têm um prazer quase que sádico em apontar o professor (e sua eventual incompetência) como a causa maior da crise geral do sistema educacional brasileiro. Para tanto, esmiúçam os dados, estatísticas e porcentagens referentes à aprendizagem, alfabetização, aprovação, bem como as classificações dos alunos brasileiros em testes nacionais e internacionais. Esses mestres das finanças frequentemente afirmam que aumentar os salários dos educadores (ou seja, oferecer uma remuneração digna) é uma medida que não tem nenhum impacto na melhoria da aprendizagem dos alunos. Esses senhores desconhecem a realidade de muitos educadores que se vêem obrigados a complementar a renda mensal aventurando-se em atividades informais, como por exemplo, vendendo roupas e cosméticos, ou dando aulas particulares nos finais de semana. Ignoram que muitos de nós gostaríamos de ter condições financeiras e tempo para comprar e ler mais livros e revistas, estudar e aprender para melhor ensinar. No entanto, vivemos rotinas estressantes, correndo de uma escola para outra, corrigindo trabalhos e provas em casa, acumulando dívidas e fazendo mais um empréstimo para sair do vermelho.
            Mas os economistas não estão satisfeitos e sugerem ainda que a saída seria a meritocracia, a solução para afastar das salas de aula os ineficientes e incompetentes, a escória responsável pelo fracasso dos alunos. Acontece que onde os "mestres dos números" enxergam estatísticas e porcentagens, nós, educadores, enxergamos pessoas. Por exemplo, caso adotássemos a tal meritocracia , seria possível a seguinte situação: ao final do ano letivo, duas turmas de 3º ano do Ensino Fundamental são submetidas a testes de matemática. Os alunos da Fulana obtêm média 8, enquanto que os alunos da Sicrana atingem média 6. Quem vai ser promovida? A Fulana, visto que seus alunos tiveram um desempenho melhor. Não importa se a Sicrana conseguiu alfabetizar, ao longo do ano letivo, duas crianças que "patinavam" para aprender (algo que professores dos anos anteriores não teriam conseguido). Há resistência de muitos educadores em relação a esse sistema de avaliação: por mais que o professor seja competente, esforçado e responsável, sempre estará sujeito a injustiças.
            Portanto, o professor não pode ser visto como único e exclusivo vilão da história. Existem sim, como também há em muitas outras áreas e profissões, educadores relapsos, irresponsáveis e incompetentes. Quantos casos acontecem de médicos que cometem erros graves, resultando inclusive na morte de pacientes, quase que diariamente? Nem por isso identificamos os médicos como responsáveis pela precária situação da saúde pública no país. Não se pode julgar a maioria tendo como referência uma minoria.
          No entanto, como se não bastasse essa perseguição dos economistas, os professores sofrem também (e principalmente) dentro da escola.  Há uma crise generalizada de valores que atinge fortemente a relação professor-aluno. Crianças e jovens que não reconhecem o sentido da educação e a própria descaracterização da função social da escola são fatores que colocam o professor numa situação permanente de tensão. Problemas familiares, miséria, desemprego, as drogas, gravidez precoce, são exemplos de elementos que fazem parte do universo dos estudantes. Uma sala de aula com trinta alunos comporta trinta histórias diferentes (infelizmente, muitas delas são tristes, cruéis, chocantes). Anteriormente, eu acreditava que o professor competente, que prepara uma aula interessante e com objetivos claros, conseguia ensinar com eficiência. Hoje percebo que há momentos nos quais o professor, por mais que tente, invente, se esforce, não tem êxito. Nesses momentos a escola é obrigada a chamar os responsáveis pelos alunos para tentar reverter o quadro. E aí os pais dizem: "Dá um jeito nesse menino, que nós não podemos mais com a vida dele." Ou seja, além de ser o responsável pela aprendizagem dos educandos, o professor passa a ter outra função: educar, que é atribuição primordial e intransferível da família.
          O professor está sozinho na sala de aula e carrega um imenso peso nas costas: ensinar, educar, mediar conflitos... Especialmente em grandes cidades, professores são diariamente agredidos verbal e fisicamente (recente pesquisa, feita com mais de 100 mil professores e diretores de escola do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio, divulgou que o Brasil está no topo do ranking de violência contra os educadores).
          Além disso, os profissionais disputam a atenção das turmas com os celulares e tablets. Especialistas dizem que a solução está em utilizar a tecnologia nas aulas. Mas laboratórios de informática sucateados é o que nos oferecem, com internet que só funciona com “reza braba”. Precisamos alfabetizar todos os alunos até os oito anos de idade, mesmo quando as crianças demonstram dificuldades cognitivas importantes e não recebem apoio especializado (psicólogos, psicopedagogos, neurologistas, fonoaudiólogos). Especialistas, governantes e economistas não sabem o que é alfabetizar um aluno do 1º ano que nunca pegou um lápis na mão, que não teve acesso a nenhum livro durante a primeira infância, que espera com impaciência a hora do lanche para matar a fome do dia.
           Só quem é professor sabe o quanto é difícil o cotidiano da escola pública brasileira. São profissionais que, apesar das dificuldades, a despeito da desvalorização e humilhação quase que diárias, continuam trabalhando porque acreditam no que fazem e se importam com os alunos. Apesar dos ataques que sofremos, sabemos que não somos inferiores e nos recusamos a ser tachados de ineficientes ou incompetentes. Experimentamos a alegria de presenciar as crianças escrevendo suas primeiras palavras.  Exultamos quando os pequenos abrem um livro e sentem prazer ao ler.  Nos dias frios, tiramos os casacos do corpo para agasalhar os aluninhos que chegam à sala de aula tremendo. Subtraímos quantias preciosas do nosso exíguo salário, seja para comprar lápis e borracha e emprestar para os que não têm, seja para promover uma festinha de aniversário conjunta ou realizar uma comemoração no final do ano.  Fazemos isso porque somos educadores, trabalhamos com pessoas, não enxergamos apenas números. Ano passado alfabetizei um menino filho de pais analfabetos. Ensinei a ele mais do que a leitura e a escrita. Além de saber assinar seu nome e iniciar uma trajetória de vida diferente daquela dos pais, ele aprendeu a gostar dos livros. Nos dias em que não havia a hora da história (momento no qual leio um livro novo em voz alta para toda a turma) ele cobrava, com aquele olhar ansioso e cheio de expectativa: "Não vai ler livro hoje, profe?" É por ele, e por todos os alunos que virão, que continuo sendo professora. Agora não tenho vergonha. Pelo contrário, tenho apenas orgulho da minha profissão.
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