segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Soltem suas cabras





O Brasil é um país que comporta muitas culturas, um caldeirão se ritmos, cores, sabores e sons. A linguagem faz parte dessa diversidade, e, nela, há as expressões ou ditos populares, que, não obstante, podem estar carregados de preconceito. Quando se fala "preto quando não suja na entrada, suja na saída", fica evidente o racismo que insiste em sobreviver em nosso meio. Há também a questão do gênero. Um provérbio é bem ilustrativo: "Segurem suas cabras que meu bode está solto".

Sendo mãe de dois meninos, um deles prestes a entrar na puberdade, refleti sobre essa ideia. Em um passado recente, mais exatamente na época em que minha mãe era jovem (lá pelos anos cinquenta), se uma moça engravidasse, mesmo que fosse do namorado ou noivo, estaria com sua reputação manchada para sempre. Muitas eram expulsas de casa e renegadas pela família. A culpa era da moça,que não foi recatada  o suficiente para resistir às tentações.  Os bodes estavam soltos, as cabras que se cuidassem. Vai ver esse ditado surgiu naquela época.

Mas, vez ou outra, ainda o escutamos. Ou, então, vivenciamos situações que demonstram que, para algumas pessoas, o que o provérbio diz vale para os dias atuais. Todos os dias, quando acesso as páginas de notícias, há algo relacionado à violência contra a mulher: abusos, estupros, feminicídios. Por trás de todo o agressor, possivelmente há uma educação machista que, mesmo na forma inocente de um ditado falado para o adolescente que começava a namorar,  afirma que o homem é o dono da mulher, é ele quem manda, e que mulheres podem ser tratadas como objetos ou propriedade. "Em briga de marido e mulher, não se mete a colher".

Para combater a violência diária e crescente da qual as mulheres são vítimas, precisamos de mães, pais, educadores e de uma sociedade em geral que repudie esse tipo de pensamento. Vamos modificar o ditado: soltem suas cabras, que nossos bodes estão sob controle. Quem sabe, assim, roupa curta e maneira de agir não constituam motivos para que as mulheres sejam estupradas. Quem sabe os maridos e namorados não as vejam como meros objetos sexuais ou propriedade deles, partindo para a violência ou até mesmo assassinando aquelas que desejam terminar relações infelizes.

Acima de tudo, não somos cabras nem bodes. Somos seres humanos e, como nos ensinaram na escola, dotados de consciência. Nós sabemos que sabemos. Essa consciência faz com que os casos de violência contra a mulher sejam ainda mais incompreensíveis. Homens não são bodes,que agem por instinto.  Também não deveriam agir apenas por impulso. Mulheres não precisam ficar presas em casa por medo de serem atacadas ou estupradas.Liberdade para as mulheres.Consciência e discernimento para os homens, começando por uma educação sem machismo. Apenas assim teremos um futuro menos violento e mais livre, para todos.
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