quinta-feira, 27 de abril de 2017

Soja, carne, ganância e falta de princípios





          
  Em 2017, o Rio Grande do Sul terá uma safra de soja que deverá bater recordes de produtividade: 30,8 milhões de toneladas nas lavouras de verão, segundo dados da Emater. Dizem as notícias que isso se deve, em parte, ao aumento na área plantada. Essa constatação me fez lembrar de quando era criança e íamos passar os finais de semana na beira dos rios de  nosso município. Há trinta anos, a criação de gado ainda era a atividade econômica mais forte por essas bandas. Havia muitos campos e matas ciliares, que ajudavam a preservar os rios, impedindo a erosão e conservando  a vida dos peixes. Pois bem, voltando para um desses locais, agora em 2017, percebi que tudo está mudado. Há mares de soja que parecem não ter fim no lugar onde antes as vacas pastavam. Muitas árvores foram retiradas para dar lugar às plantações. Há uma lei que estabelece a "área de preservação permanente", com diversas funções ambientais, devendo respeitar uma extensão específica de acordo com a largura dos rios, córregos, lagos, represas e nascentes(Código Florestal - Lei 4.771/65 Áreas de preservação permanente - artigo 2). Não sei se os produtores da região observam essa lei, mas o rio da minha infância, que tinha no fundo apenas pedrinhas e onde corria uma água limpa e cristalina, está agora turvo e com o fundo cheio de lodo. Fico pensando qual o prejuízo causado ao meio ambiente devido a essa safra recorde de soja. O aumento da área plantada acontece observando a legislação vigente? Estariam os rios sofrendo com o assoreamento e contaminação pelos agrotóxicos, ao mesmo tempo em que os silos ficam entupidos de grãos e os bilhões arrecadados animam a economia?

           E, já que estou falando de leis, há uma delas que tem causado certo rebuliço em nossa cidade. Trata-se da Portaria SES-RS Nº 66 DE 26/01/2017, que regulamenta o funcionamento de estabelecimentos comerciais dos segmentos açougue e fiambreria. Entre as diversas normas expressas está a exigência de que açougues que armazenam, beneficiam, fracionam e vendem a carne de animais disponham de ambientes climatizados, com controle de temperatura. Essas medidas visam a evitar doenças, contaminações, e também a manter o mínimo de higiene na manipulação dos alimentos. Ou seja, o objetivo é garantir que ninguém ficará doente por comer algo estragado, mal embalado ou contaminado.  De um lado, temos os comerciantes, preocupados com os custos que terão ao se adequarem às normas. Inclusive, alguns buscaram apoio no setor político, vejam bem, apoio para que essas normas não sejam aplicadas. Do outro lado, temos os fiscais da Vigilância Sanitária, os responsáveis pela fiscalização dos estabelecimentos em questão. Como a corda sempre arrebenta do lado mais fraco, são os fiscais que correm o risco de serem processados por estarem, vejam só, apenas cumprindo a lei e fazendo seu trabalho.

           Eu realmente não acredito que estou  escrevendo isso. Festejamos os bilhões da agricultura e esquecemos da água dos rios que nos abastecem, sem a qual não vivemos. Isso é ganância. Protestamos para nos adequar à determinada lei, porque a consideramos injusta, desnecessária ou simplesmente porque queremos evitar custos adicionais. Mesmo que isso seja para o bem coletivo. Isso é falta de princípios.
           Para você que imagina que a ganância e a falta de princípios são privilégios do pessoal lá de Brasília, envolvido em escândalos de corrupção, eu digo que essas são mazelas que contaminam todos os setores da nossa sociedade. Infelizmente.

sábado, 15 de abril de 2017

Escrever com estilo





         "I've got a little black book with my poems in"
         "Eu tenho um pequeno livro preto com meus poemas"

        Na letra da música do Pink Floyd, "Nobody Home", há uma referência a um possível caderno Moleskine. Esses cadernos são de uma marca italiana, segundo texto retirado do site da marca:

"Tudo começou há muitos anos, com um objeto preto, pequeno o suficiente para se colocar no bolso, o produto de uma grande tradição.
Na verdade, o caderno Moleskine é herdeiro e sucessor do lendário caderno usado por artistas e pensadores dos últimos dois séculos: entre eles Vincent van Gogh, Pablo Picasso, Ernest Hemingway e Bruce Chatwin. Um simples retângulo preto com bordas arredondadas, um marca-página de elástico e um compartimento interno expansível: um objeto sem nome, com perfeição e personalidade de sobra, fabricado por mais de um século por uma pequena empresa de encadernação francesa que abastecia as papelarias de Paris, onde artistas e escritores de vanguarda de todo o mundo os procuravam e compravam. Companheiro de viagem fiel e conveniente, o caderno preto continha desenhos, anotações, histórias e ideias que se tornariam pinturas famosas ou páginas de livros adorados."

Fonte: http://www.moleskine.com/br/moleskine-world

   Descobri sobre esses lendários cadernos lendo o livro de Stephen King, "Achados e perdidos". Imediatamente interessei-me por eles. Há muitas outras referências no cinema:

- No filme Indiana Jones e a Última Cruzada, o pai do personagem principal, Prof. Henry Jones, mantém as suas anotações de pesquisa num Moleskine.

 -  O famoso caderno de notas é mostrado em cenas de "Magnólia" e de "O talentoso Ripley".

- No filme "From Hell" (2001), o inspetor interpretado por Johnny Deep utiliza um Moleskine para fazer anotações sobre os assassinatos cometidos por Jack, o Estripador.

        Eu escolhi um Moleskine para iniciar meu novo livro, apontamentos, anotações e cronologia dos personagens. 



sábado, 8 de abril de 2017

Nova medida, velho filme


      
E lá vamos nós novamente. O MEC anuncia que a idade mínima para alfabetização será alterada. Como já foi feito antes: o objetivo era alfabetizar todas as crianças até oito anos de idade, ou seja, até o terceiro ano do Ensino Fundamental. Agora, a meta deverá ser até o final do segundo ano. Esse filme é velho. Tendo como base minha experiência de educadora em escola pública, desde 2001, vejo duas questões que parecem não estar claras para a secretária executiva do MEC e outras pessoas envolvidas no processo.

     A primeira diz respeito a falta de clareza sobre o que ensinar em cada ano escolar. Explico: a transição da modalidade Ensino Fundamental de oito anos para nove anos foi feita de forma abrupta, gerando muitas dúvidas nos professores. É óbvio que a intenção inicial era ter mais tempo para aprofundar os conteúdos ou conhecimentos curriculares trabalhados, resultando numa melhor aprendizagem. Falava-se no primeiro ano lúdico, em antecipar o contato com o mundo letrado, o famoso letramento, e dar mais tempo para a criança apropriar-se do sistema de escrita. Em muitas escolas a reprovação ou retenção de um ano para outro foi abolida até o terceiro ano. Parecia que o problemas estariam resolvidos. Pouco tempo depois, é comum que turmas com alunos de nove ou oito anos tenham percentuais elevados de crianças incapazes de ler e escrever com autonomia. Pior, há alunos que não reconhecem nem mesmo as letras do alfabeto.  Creio que seja o resultado dessa alteração repentina na modalidade de ensino, sem o devido estudo e esclarecimento para a comunidade escolar, sem que nós, professores, tivéssemos uma definição do que ensinar em cada etapa. Por isso agora a necessidade da Base Comum Currricular, também controversa e questionável. Mas o que quero dizer é: antes do Ensino Fundamental de 9 anos, a expectativa era que a criança se alfabetizasse na primeira série, aos sete anos de idade; na segunda série, os alunos aprendiam multiplicação, divisão e muito sobre Ciências ; na terceira, conheciam os pontos cardeais, tinham um bom vocabulário, sabiam o que eram sinônimos e escreviam pequenos textos. Agora, no terceiro ano, muitos alunos chegam completamente analfabetos. A sensação que tenho é que ensinamos cada vez menos, e as crianças, em consequência, aprendem cada vez menos também.



      O segundo ponto, diretamente relacionado ao primeiro, diz respeito à ideia de que a solução está na metodologia do professor. Se o professor é qualificado e utiliza a forma mais adequada para ensinar, todos aprendem. Cria-se o Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa. Mas a não-alfabetização persiste. O PNAIC pode até ser válido como uma política pública de formação continuada para os professores, oferece material pedagógico e de apoio de qualidade, no entanto, não faz milagre. Porque o aluno que não tem dificuldade para aprender, aprende de qualquer forma, não importa a metodologia. Ele vai se alfabetizar. A questão é: como ajudar aqueles alunos extremamente desatentos, agitados, ou que são bem mais lentos ao realizarem as atividades propostas? Isso o PNAIC não resolve, porque a resposta está em oferecer apoio pedagógico e multidisciplinar em todas as escolas, identificando os alunos que necessitam de reforço escolar, paralelo às aulas regulares, e fazer com que esse sistema funcione. Porque essas crianças aprendem, sim, mas precisam de um local mais calmo (não uma sala de aula com 25, 30 crianças), de um plano de estudos direcionado para aquilo que precisam aprender, com um professor qualificado e que tenha um canal estreito de comunicação com o professor regular da turma. Pensar que o professor, sozinho, numa sala de aula lotada de crianças com diferentes realidades e dificuldades, vai resolver tudo, é utopia. Apenas mandar o aluno para o ano seguinte, sem que tenha atingido o mínimo dos objetivos propostos, é empurrar o problema com a barriga. Fala-se muito da Finlândia quando o assunto é educação de qualidade, e lá eles conseguem bons resultados nas avaliações internacionais porque, vejam só, não deixam nenhum aluno para trás. Todos têm o direito de aprender tudo que precisam aprender no momento certo. Mas há toda uma estrutura envolvida, com profissionais que recebem apoio, suporte, e não apenas medidas do governo que estipulam essa ou aquela idade mínima para alfabetizar.
        Eu me pergunto quando que nossos governantes vão compreender questões tão simples. Talvez no dia em que deixarem seus gabinetes confortavelmente climatizados e colocarem os pés numa sala de aula de alfabetização da rede pública. Talvez.
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