sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Carta aberta ao governador José Ivo Sartori





Vossa Excelência...
Sou professora nomeada da rede estadual de ensino há dezoito anos. Pedagoga, formada pela UPF. Amo minha profissão e sinto-me realizada quando estou em sala de aula com meus alunos. Adoro planejar aulas e faço isso, invariavelmente, aos finais de semana. Organizo projetos a partir das necessidades e interesses das crianças, usando muitas horas de "folga" para ler e pesquisar sobre assuntos relacionados aos referidos projetos. Não recebo nem um centavo por essas horas trabalhadas em casa. Frequentemente compro, com o dinheiro do meu salário, materiais que necessito para aulas de Arte e que não existem na escola. Também adquiro livros de literatura infantil que considero importantes e instigantes para meus alunos, usando para tanto meu vencimento mensal. Faço isso porque acredito na importância do meu ofício e sinto-me feliz realizando um trabalho de qualidade, que, creio eu, resulta em aprendizagens significativas para meus  alunos. Sou uma leitora ávida, sempre buscando novos conhecimentos, e também escrevo, tendo publicado quatro livros, dois deles relacionados à educação. Além disso, em 2015 conquistei um prêmio para educadores de relevância nacional. Apesar de todos os resultados e empenho, nunca fui promovida. Mas tudo bem. A desvalorização do professor não é mérito apenas seu, mas de uma classe política mais interessada em encher malas de dinheiro do que no progresso do país e instrução de um povo. Agora, ao entender o direito que tenho de receber meu mísero salário em dia, que não chega a dois salários mínimos,como sendo DEMAGOGIA, o senhor  fere profundamente minha dignidade enquanto pessoa. Afinal, a dignidade enquanto professora está corroída pelo seu desrespeito, pela sua prepotência e insensibilidade.
Confesso que, nas últimas eleições, cogitei votar em Vossa Excelência para o cargo que agora exerce. Sabe por quê? Porque li numa reportagem que o senhor era professor, e imaginei que teria condições de fazer um bom governo, preocupado com a educação e com nossa classe. Mas, após uma análise mais acurada, percebi que era um engodo, uma falácia, um homem despreparado e com um senso de humor brega e ridículo, mandando os professores procurarem "piso no Tumelero". Não votei no senhor. Estou sofrendo e muitos outros professores e funcionários públicos sofrem. Mas vai passar. O senhor será apenas mais uma página virada na história do Rio Grande do Sul, um governante que deixará marcas profundas na dignidade e na alma de um povo. Mas nós sobreviveremos. Apesar de você, amanhã há de ser outro dia!
Alessandra Bremm

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O novo iPhone e o velho blusão



A Apple anunciou seu novo lançamento, o iPhone X, uma edição comemorativa para o décimo aniversário da linha, com novo design e a promessa de recursos incríveis, como uma super câmera e a tal "realidade aumentada". Logo veremos longas filas dos consumidores fiéis à marca, que é quase uma religião, esperando para comprar seus novos dispositivos. No entanto, como acontece também com outras marcas e produtos, as modificações ou os recursos incríveis prometidos quase sempre são uma jogada de marketing para vender praticamente a mesma mercadoria por um preço bem salgado. 

Isso me levou de volta ao passado e me fez recordar um fato que marcou minha infância, há uns trinta anos. Eu tinha uma colega bem humilde, que morava numa casa antiga, toda em madeira, com a pintura azul esmaecida e descascada pela ação do tempo. A menina passava o inverno inteiro usando o mesmo blusão de lã, tricotado à mão, de uma cor verde com alguns detalhes que a memória não alcança. Eu ficava me perguntando se a peça era lavada. Como conseguiriam lavar e secar aquela roupa de um dia para o outro? Talvez estendessem perto do fogão à lenha para acelerar o processo. 

Certa manhã, minha amiga apareceu sem o blusão. Não lembro que outra roupa ela usava, mas recordo do alívio de vê-la vestindo algo diferente. Vai ver os pais se deram conta que o velho blusão era, de fato, muito velho.

Mas, alguns dias depois, fui até a casa dessa amiga para visitá-la. Estávamos as duas na sala, batendo papo, e a mãe dela chegou com um pacote. A menina logo perguntou:
- O que é mãe?
- É o seu blusão!

 E lá estava a peça de roupa esverdeada, agora refeita e com um novo desenho na frente. A mãe levou para alguém desmanchar e fazer novamente. Eu não podia acreditar na felicidade da menina, abraçando a peça, dando pulos e gritinhos de alegria. Por um blusão velho com cara de novo.

Não estou aqui querendo fazer uma comparação entre o novo iPhone e o blusão velho. Não quero dizer que o iPhone X é o velho com aparência de novo. O que me levou à reflexão foi a felicidade que veio da simplicidade da minha antiga amiga. A satisfação por ter novamente seu blusão refeito. Aí sim, é exatamente o oposto do que ocorre hoje em dia. Nós buscamos satisfação na complexidade e no inédito, recorrendo ao consumismo. Sim, é um clichê, a tal vida vazia cheia de objetos inúteis e totalmente dispensáveis. Acontece que, ao longo da minha vida, experimentei muitas vezes a satisfação verdadeira, aquela que vem das coisas mais simples (outro clichê, desculpem). Mas é assim. Um novo corte de cabelo, usar batom vermelho como não usava há muito tempo, perceber que a pessoa com quem convive por mais de duas décadas pode te surpreender ainda, e positivamente... Reler aquele livro que te marcou na adolescência, e notar o quanto ele ainda significa para você. Escutar aquela música que ama, mas numa nova versão. Descobrir que teu filho tem um senso de humor característico. Que outro filho aprende com uma facilidade incrível. Acertar aquela famosa receita que a tua mãe fazia. São coisas simples, mas que satisfazem, não dependem de marketing, e, o melhor, você quase nunca precisará entrar numa fila para que elas aconteçam.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Algo sem nome

Chega um tempo em que não há estranhamento e quase nada pode ser chamado de novo. 
Palavras, imagens e sons se repetem, infinitamente, rodando e confundindo o pensamento.
A beleza é artifício, ilusória e banal.
O toque já não causa arrepio, apenas sensação dormente e ligeira.
O amor é breve e egoísta.
O vinho amortece o que dói na carne mas não no espírito, amarga a boca e mancha as lembranças.
A lágrima cai, mas não liberta a angústia, apenas acompanha a incerteza.
As expectativas são sem brilho, antecedendo seu fim morno e inevitável.
Quando a vida não surpreende, a morte não assusta.

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