O Brasil é um país que comporta
muitas culturas, um caldeirão se ritmos, cores, sabores e sons. A linguagem faz
parte dessa diversidade, e, nela, há as expressões ou ditos populares, que, não
obstante, podem estar carregados de preconceito. Quando se fala "preto
quando não suja na entrada, suja na saída", fica evidente o racismo que
insiste em sobreviver em nosso meio. Há também a questão do gênero. Um
provérbio é bem ilustrativo: "Segurem suas cabras que meu bode está
solto".
Sendo mãe de dois meninos, um
deles prestes a entrar na puberdade, refleti sobre essa ideia. Em um passado recente,
mais exatamente na época em que minha mãe era jovem (lá pelos anos cinquenta),
se uma moça engravidasse, mesmo que fosse do namorado ou noivo, estaria com sua
reputação manchada para sempre. Muitas eram expulsas de casa e renegadas pela
família. A culpa era da moça,que não foi recatada o suficiente para resistir às tentações. Os bodes estavam soltos, as cabras que se
cuidassem. Vai ver esse ditado surgiu naquela época.
Mas, vez ou outra, ainda o escutamos.
Ou, então, vivenciamos situações que demonstram que, para algumas pessoas, o
que o provérbio diz vale para os dias atuais. Todos os dias, quando acesso as páginas
de notícias, há algo relacionado à violência contra a mulher: abusos, estupros,
feminicídios. Por trás de todo o agressor, possivelmente há uma educação
machista que, mesmo na forma inocente de um ditado falado para o adolescente
que começava a namorar, afirma que o
homem é o dono da mulher, é ele quem manda, e que mulheres podem ser tratadas
como objetos ou propriedade. "Em briga de marido e mulher, não se mete a
colher".
Para combater a violência diária
e crescente da qual as mulheres são vítimas, precisamos de mães, pais,
educadores e de uma sociedade em geral que repudie esse tipo de pensamento. Vamos
modificar o ditado: soltem suas cabras, que nossos bodes estão sob controle. Quem
sabe, assim, roupa curta e maneira de agir não constituam motivos para que as
mulheres sejam estupradas. Quem sabe os maridos e namorados não as vejam como
meros objetos sexuais ou propriedade deles, partindo para a violência ou até
mesmo assassinando aquelas que desejam terminar relações infelizes.
Acima de tudo, não somos cabras
nem bodes. Somos seres humanos e, como nos ensinaram na escola, dotados de
consciência. Nós sabemos que sabemos. Essa consciência faz com que os casos de
violência contra a mulher sejam ainda mais incompreensíveis. Homens não são bodes,que
agem por instinto. Também não deveriam
agir apenas por impulso. Mulheres não precisam ficar presas em casa por medo de
serem atacadas ou estupradas.Liberdade para as mulheres.Consciência e
discernimento para os homens, começando por uma educação sem machismo. Apenas
assim teremos um futuro menos violento e mais livre, para todos.