domingo, 2 de outubro de 2022

Eu deveria estar do outro lado

Radicalismo político no Brasil supera média global | VEJA

 O título deste texto deveria terminar com interrogação?

Porque a frase é uma dúvida que tenho, ao final da apuração de votos da eleição.

Explico.

Nunca recebi nenhum auxílio do governo. Gasto meu salário com coisas dispensáveis: roupas, calçados, produtos cosméticos. Não dependo da minha renda para comer. Para fazer rancho. O preço da gasolina não faz muita diferença na minha vida: o marido enche o tanque do meu carro, e também paga o IPVA. Não dependo do SUS, caso fique doente. O plano de saúde cobre quase tudo, e, se não cobrisse, certamente teria dinheiro para pagar por uma cirurgia de emergência ou procedimento eletivo. Não pago aluguel. Programas de moradia popular são indiferentes para mim. Meus filhos estudam em escola particular, nunca me preocupei com vagas em escola pública, nem com falta de professores ou merenda. Sou branca. Jamais me senti intimidada em locais como restaurantes ou shoppings. Sou uma mulher branca privilegiada, que não depende do salário de professora para pagar as contas. Por que eu deveria defender as pautas de esquerda e votar no Lula?

Porque tenho consciência da minha realidade. Sei que sou privilegiada. Mas, como professora de escola pública há mais de vinte anos, outra realidade se revela no cotidiano. Sei a importância que tem uma merenda de qualidade no meio da tarde. Conheço a diferença que faz, na criança desamparada e pobre, o turno integral. Vejo meu aluno pobre e negro tendo oportunidade de cursar o ensino superior somente através do programa de cotas, ao contrário do meu filho de dezoito anos, branco de olhos azuis, que cresceu dentro da escola privada, que prepara para o vestibular e tem condições de se inscrever em qualquer universidade do Brasil. Sei da mãe do meu outro aluno, vítima de violência doméstica, que só terá amparo de um governo que combate o feminicídio e o machismo. E tem a avó do outro estudante, que criou seis netos e só poderá viver com alguma tranquilidade se conseguir se aposentar. 

Eu sei disso tudo, porque não penso apenas em mim. Bolsonaro ou Lula, pouco importa quem vencerá a eleição, para mim e para minha família. Não passaremos fome. Continuaremos a abastecer o carro, a viajar e a comer picanha. Mas meu aluno não. Nem sua família. E saber que muitos deles não têm esta clareza de pensamento me dói. Saber que se deixam convencer pelas mensagens do zap, que são manipulados e enganados. É por eles que continuarei lutando e chorando e sofrendo. Até que a esperança vença. Até que os ventos mudem e soprem que é possível reconstruir um país. 

Eu preciso acreditar. Nós precisamos. 

Por favor, digam que estou do lado certo!

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