sábado, 31 de agosto de 2013

Quanto vale o show?

          Li um livro muito interessante do escritor gaúcho Juremir Machado - "A sociedade midíocre". Nele, o autor discorre sobre os livros, a internet, o autor, a mídia, e, o que mais me chocou, o fim da leitura e da escrita. Mas uma colocação de Juremir me fez refletir muito. Conta o autor que um vaso sanitário que pertenceu a John Lennon foi leiloado por alguns milhares de dólares. Tal objeto havia sido dado de presente pelo próprio Jonh a um senhor humilde, que o utilizava para dentro cultivar flores.
       Ou seja, para esse senhor simples, era apenas um objeto. Para a pessoa que o arrematou, era o VASO NO QUAL JOHN LENNON SENTOU UM DIA. Portanto, nada mais natural do que gastar uma pequena fortuna e levá-lo para casa.
        Pois bem, essa reflexão me fez lembrar da situação que vivi alguns meses atrás. Esperei ansiosamente pelo show de rock da minha banda favorita. Comprei ingressos, passagem de avião, hotel reservado, uma enorme expectativa. No grande dia, quase não acreditava que viajara até São Paulo (moro no interior do RS) para escutar as músicas dos meus ídolos. Chorei, gritei, cantei e vibrei durante o show, mesmo após esperar onze horas em pé, sem comer direito, sob um sol escaldante.     Mas, bem na minha frente, havia um corredor onde ficavam os seguranças contratados para conter a impolgação do público. Uma senhora, que parecia ser bem humilde, passou o tempo todo usando os protetores de ouvidos, de cara fechada, visivelmente entediada e cansada daquilo tudo. Ou seja, a banda que eu tanto amo e idolatro, para ela, era algo insignificante. E pensar na situação dela, que estava ali visivelmente incomodada, apenas para ganhar uns trocados, fez com que parte do espetáculo perdesse a graça.
              Enfim, cada um dá o valor ao vaso e a banda conforme suas necessidades e interesses. O fato é que, em nossa sociedade, cada vez mais damos importância e valor a coisas fúteis. Lamentável.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa



Tinha um barquinho no meio do oceano
No meio do oceano tinha um barquinho

            Tomei a liberdade de adaptar os célebres versos do grande poeta Drummond aos acontecimentos que presencio ultimamente. Explico: eu, uma mera professorinha do interior do Estado, sou o barquinho. O oceano é a imensa, complexa e, por vezes, confusa educação brasileira. E o motivo que me faz refletir sobre tudo isso chama-se Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa.
            Recentemente o Governo Federal lançou o referido programa tendo como objetivo a alfabetização, até o 3º ano do Ensino Fundamental, de todos os alunos das escolas públicas brasileiras. Ou seja, um acordo visando alfabetizar plenamente as crianças tendo como limite máximo a idade de oito anos.
            Confesso que tal mobilização do governo gerou em mim uma grande esperança e também uma enorme expectativa. Finalmente os responsáveis pelos rumos da educação no país estavam tentando reverter uma triste realidade presente em muitos lugares do Brasil: a situação de alunos que chegam ao 4º ano do ensino fundamental (ou até mais longe) sem saber ler nem escrever.
            Dessa forma, fomos nós, educadores, recrutados e apresentados ao tão esperado Pacto. Após cinco encontros, comecei a sentir-me um tanto frustrada. Meu anseio era o de que discutíssemos sobre a problemática que deu origem a medida do governo, ou seja, por que motivo ou motivos os alunos não estão aprendendo. Mas, até agora, as reuniões resumiram-se a dois aspectos. Um deles diz respeito às teorias do conhecimento e metodologias de ensino, que são repassadas de forma muito rápida e superficial. Sabemos o quanto é importante a teoria e que ela serve de suporte para o trabalho diário em sala de aula. Porém, as noções básicas sobre alfabetização, letramento e ensino-aprendizagem em geral a grande maioria dos professores já domina. Portanto, penso que essas revisões de referenciais de autores muito importantes, da forma como estão ocorrendo, constituem uma perda de tempo.
            Em outros momentos do referido Pacto os educadores são incentivados a trocar experiências, relatando técnicas e atividades que costumam aplicar. Novamente, sabemos que a socialização de ideias é importante, constituindo um recurso para enriquecer nossas aulas. No entanto, essa troca já acontece em outras reuniões de formação, nos municípios e escolas, no diálogo que temos como colegas, sem falar na internet. Sim, é possível acessar a rede mundial de computadores e através dela descobrir uma infinidade de atividades, técnicas e metodologias de trabalho, sem sair de casa! Acredito ser totalmente desnecessário deslocar milhares de professores em todo país para que se reúnam e troquem experiências, pois isso já está sendo feito!
            Penso que é necessário questionarmos: que perfil de professor predomina nos anos iniciais? Percebo que há aqueles prestes a aposentar-se, vindos de uma caminhada considerável e com práticas distintas. Há os iniciantes, e também aqueles que não têm uma formação voltada à alfabetização, ou seja, que cursaram por exemplo, Educação Física, Geografia, etc. Partindo dessa heterogeneidade, imagino ser imprescindível que um programa a nível federal voltado à alfabetização esclareça com profundidade: de que forma a criança se apropria do sistema de escrita? Como acontece o processo? Ofereço meu exemplo: cursei Pedagogia, estudei quatro anos sobre isso, continuei lendo e pesquisando, mas, no entanto, não estou livre das dúvidas.
            O que tento explicitar é o seguinte: sabemos que as crianças elaboram hipóteses sobre a língua escrita e que há vários níveis de aprendizagem quando falamos em alfabetizar. Sabemos também que, para que o aluno avance, é preciso criar situações em que ele teste essas hipóteses. É justamente aí que o professor precisa ter embasamento, estudo, segurança. Primeiramente, para entender em que fase a criança está. Depois, para agrupar os alunos de níveis distintos de forma criteriosa, momento no qual será feito o “confronto” entre as concepções que cada um tem  a respeito de como escrever determinada palavra ( é quando eles testarão as hipóteses e poderão superar conflitos).
            É justamente o esclarecimento dessas questões que buscava no Pacto. Como ajudar um aluno que escreve e não lê? E aqueles que não avançam nos níveis, apesar de todas as intervenções que fiz? Na minha concepção, está faltando a “ponte”. É o que é a ponte? É a conexão entre teoria e prática.  Já cansei de ouvir alguns colegas dizerem “de nada adianta esse blá-blá-blá ideológico, Paulo Freire não era professor, Emilia Ferreiro nunca deu aula, etc....”Mas não podemos simplesmente ignorar as contribuições desses e de outros pensadores da educação, alegando que a realidade é muito diferente e que eles pregam uma utopia. Sou uma defensora de que a prática dissociada do embasamento teórico é vazia e frágil. Assim como também acredito que ao ensinar, vou aprendendo com meus alunos e ressignificando tudo o que li, reli, escutei e aprendi com os grandes educadores. Então, precisamos sim rever nossos conceitos e o papel de educadores num novo contexto. É urgente que nos desvencilhemos dos velhos “trabalhinhos” (alguns já amarelados pela ação do tempo) que ainda teimamos em repassar às crianças. Necessitamos priorizar a construção do conhecimento e não apenas transmitir informações, pois isso não faz mais sentido no mundo em que vivemos.
            Enfim, o barquinho aqui está tendo dificuldades em encontrar um rumo em meio ao oceano de dúvidas da educação brasileira. Espero que o Pacto consiga sair do papel, no qual está maravilhosamente bem estruturado, planejado e fundamentado, e venha de encontro às experiências práticas de sala de aula, de uma forma consistente e eficaz, para que os barquinhos consigam navegar por caminhos seguros em direção a um ensino de mais qualidade.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O menino que aprendeu a ler

            Em pleno inverno, no rigoroso frio de quatro graus centígrados, meu aluno Daniel veste uma simples regatinha que deixa seus bracinhos mirrados de fora. Questiono se não está sentindo frio, ao que ele prontamente responde: não sinto frio, professora.
         Daniel é um guerreiro. Chegou a turma do segundo ano sem saber ler nem escrever. Mas nunca intimidou-se por isso: segurava seu toquinho de lápis e ia em frente. Os colegas tudo sabiam, ele patinava para acompanhar.
         Filho de mãe analfabeta, não tinha quem lesse os bilhetes e avisos mandados pela escola para sua casa. Jornais, livros ou gibis eram coisas inexistentes em seu lar. Enquanto os colegas traziam bolachas, refrigerantes e doces para merendar, ele contentava-se com o lanche oferecido pelo colégio. 
      Mas, apesar de todas as incertezas e medos que rondavam meus pensamentos ao pensar na alfabetização de Daniel, um dia, ao avistar um anúncio afixado na sala de aula, ele leu: "Bazar da So - so- solida o quê fessora?" 
          Eu, incrédula, olhei para o menino e completei :"solidariedade". Sim, ele estava lendo. Rapidamente, catei um livro e pedi que ele sentasse ao meu lado. Gaguejando, com dificuldade, ele leu todo o livro. E o melhor,  divertiu-se ao fazê-lo. Pediu  se poderia levar a história e ler mais em casa.
        É óbvio que, nesse dia, voltei para casa com a sensação de que meu peito estava cheio.Não de orgulho, mas de felicidade. Felicidade porque tinha certeza de que havia descortinado para meu aluninho tão humilde um novo mundo, diferente daquele que ele conhecia. 
          O menino segue me surpreendendo. Depois de alguns meses, progrediu consideravelmente na escrita. Numa determinada aula, ao realizar as atividades no caderno, encostou em mim e senti aquele cheirinho de fumaça da sua roupa, misturado ao odor de suor. Coloquei um enorme elogio com letras garrafais no seu trabalho. Daniel questionou o que eu havia escrito. Eu disse: "leia". Ao perceber o que a mensagem dizia, ele declarou: "vou mostrar para minha mãe".
          Não posso deixar de pensar que, se um dia porventura algum governante desse nosso enorme país tiver a oportunidade de presenciar um momento como este, em que você percebe claramente a importância do professor na vida de um aluno, nós, educadores, não precisaremos mais lutar por salário e valorização profissional. Porque o que uma criança aprende, o conhecimento que ela constrói, ninguém pode tirar. E o professor é presença fundamental e indispensável nesse processo.
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