quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Maconha para quem?


Em recente entrevista a uma rádio local, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) deu um show de desinformação a respeito do uso medicinal da Cannabis, mais conhecida como maconha. Em sua fala, o político colocou-se veementemente contra a aprovação do substitutivo do Projeto de Lei 399/2015, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que prevê o aumento da oferta das medicações produzidas a partir de princípios ativos da planta. Enaltecendo a política (fracassada) de guerra às drogas, Osmar Terra conclama seus seguidores e a população em geral a se manifestarem contra tal legislação.



Trago aqui algumas reflexões baseadas nos estudos de dois grandes pesquisadores da área. O primeiro deles, o neurocientista Sidarta Ribeiro, PhD pela Universidade de Duke (EUA) e diretor do Instituto do Cérebro da UFRN, afirma que a maconha, ao contrário do que Terra propaga, contém substâncias anti-inflamatórias, que estimulam o crescimento dos ossos, antiepiléticas e antibacterianas. Por isso, várias doenças são tratáveis com maconha: autismo, carcinoma, distonia, dor crônica, depressão, encefalopatia, epilepsia, esclerose, esquizofrenia, fibromialgia, paralisia cerebral, Parkinson, retardo mental... Muitas pessoas, portadoras destas doenças, seriam beneficiadas, caso o projeto fosse aprovado. Os medicamentos à base de cannabis são importados, caríssimos, chegando a custar R$ 2.500,00 a dose.



Mas Osmar imagina que tal aprovação fará com que em cada família se instale o vício das drogas, e que os jovens se tornem zumbis puxadores de fumo, que têm seus cérebros destruídos pelo cigarro do capeta (outra ideia errônea, a de que a maconha destrói neurônios.  O professor Sidarta afirma que “a ciência por muito tempo serviu à proibição. E era uma má ciência, financiada para provar mentiras. Isso nos anos sessenta, maconha mata neurônios. Que mentira! Maconha promove novos neurônios e promove novas sinapses”). Ou seja, muitos anos se passaram, estudos e pesquisas foram feitos, mas a população em geral continua à mercê de políticos que propagam falsas ideias a respeito do tema.

Isto nos leva a outro estudioso do tema: Carl Hart, neurocientista norte-americano, professor da Universidade de Columbia e autor do livro “Um preço muito alto”. Para ele, é necessário acabar com a desinformação a respeito das drogas, combatendo falsas premissas.  Em suas palavras: “Não deveríamos prender pessoas. É preciso manter os usuários e dependentes fora da prisão, onde há outros problemas e doenças. Deveríamos multá-las ou dar um alerta. Não deveríamos fazer uma guerra contra drogas porque não há uma guerra contra dirigir carros. Precisamos mudar nossa abordagem se queremos aumentar a segurança de nossa sociedade.”

 


O autor é um crítico ferrenho da política de guerra às drogas, exaltada pelo deputado Osmar. Para entender o posicionamento dele, pense nas últimas notícias que você viu sobre combate às drogas no seu município: quase sempre, prisão de pequenos traficantes, com quantidades insignificantes de entorpecentes...Dificilmente a polícia consegue prender os grandes traficantes, que operam os esquemas- e, quando consegue, eles continuam fazendo o seu “trabalho” de dentro das prisões. Ficam as forças policiais enxugando gelo, quando o foco principal do combate às drogas deveria ser outro- uma questão de saúde pública.

Se olharmos para as estatísticas, veremos que a droga que mais impacta na saúde e aumenta os índices de violência é legalizada e socialmente aceita, tendo seu consumo estimulado amplamente pela mídia: o álcool. E ninguém está pensando em reavivar uma lei seca, até porque a indústria das bebidas alcoólicas é extremamente lucrativa. Ah, e se você costuma tomar aquele tranquilizante antes de dormir, saiba que está usando uma droga.  É preciso conhecer a história das drogas e por que algumas se tornaram legais, enquanto outras são vistas pelos deputados conservadores como se fossem a encarnação do diabo na Terra. É tudo uma questão de estudo, informação, esclarecimento. Finalizo com as palavras de Carl:

"As pessoas não entendem o que as drogas fazem, por isso são contra que outras usem. Tudo que ouvimos sobre drogas e sobre os usuários são informações erradas. Antes de mudar a política de drogas, temos que aprender tudo sobre elas. Não temos como pensar em melhorar o trato às drogas sem conhecimentos básicos".

Links para saber mais:
https://www.brasildefato.com.br/2018/08/01/neurocientista-fala-dos-usos-medicinais-da-maconha-e-das-barreiras-ao-autocultivo
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/05/140506_entrevista_carl_hart_rb
https://veja.abril.com.br/blog/cannabiz/projeto-de-lei-da-cannabis-medicinal-ignora-direito-ao-cultivo-individual/
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/08/31/senadores-divergem-sobre-projeto-que-libera-medicamentos-a-base-de-maconha
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