sexta-feira, 12 de julho de 2019

Desigualdade social e consciência de privilégios


 Sou professora de escola pública. Consigo identificar, numa turma de vinte crianças, aquelas que terão grandes dificuldades de sobrevivência no futuro. Os que estão em situação de vulnerabilidade social, que não contam com o apoio da família e para os quais a sociedade fecha os olhos. Também sou mãe e costumo conversar com meus dois filhos adolescentes a respeito dessa desigualdade tremenda que se reflete em minha sala de aula, ano após ano.

Meus filhos são privilegiados: estudam em escola particular, andam de carro pra lá e pra cá, vestem roupas quentinhas e confortáveis no inverno, desfrutam de ar condicionado no verão, dormem numa cama aconchegante, comem o que escolhem comer, nunca passaram fome. Não precisam se preocupar com vagas na universidade, pois sabem que teremos condições de pagar as mensalidades e de bancar seus estudos fora de casa. Eles conhecem a história dos pais e avós, o esforço e trabalho que tivemos para ter um nível de vida confortável, que não foi fácil, que tudo depende de muito esforço. Mas também sabem que muitas pessoas se esforçam e trabalham a vida toda e não conseguem oferecer o mesmo aos seus filhos. Faço questão de que eles tenham consciência que nem todas as crianças possuem o que eles têm. Que, enquanto são atendidos prontamente por um médico particular em caso de urgência, outras crianças precisam esperar horas, dias, até meses pelo atendimento adequado. Eles sabem que receberam vacinas importantes, desde bebês, que não constam no calendário oficial de vacinação gratuita do governo, que aumentaram sua imunidade e os livraram de muitos males. São cientes de que ganham uns trocados para ajudar o pai na criação de pássaros, numa espécie de mesada, mas que envolve o trabalho deles, como forma de ter uma responsabilidade extra e também colaborar com a família. Mas têm discernimento que isso nada tem a ver com o trabalho infantil de milhares de crianças pelo Brasil afora, em situação de exploração e de afastamento dos estudos.

Meus filhos sabem que vivem num país desigual. E que isso não é aceitável. Que uma outra realidade é possível. Espero que evitem o discurso meritocrático, que nega a desigualdade no ponto de partida, dizendo que todos têm as mesmas chances de sucesso, quando sabemos que isso não é verdade. O que espero, no futuro, é que essa consciência que tento formar neles os torne adultos humanos, que saibam ver o outro com empatia e que tentem, de alguma forma, contribuir com a sociedade para melhorá-la, retribuindo todo o privilégio que receberam desde o nascimento.

sábado, 6 de julho de 2019

As pautas inteligentes avançam em Lagoa



   Recentemente os vereadores de Lagoa Vermelha aprovaram uma lei que proíbe a utilização de nomes de pessoas que constam no Relatório Final da Comissão da Verdade como responsáveis por violação de direitos humanos durante o regime militar que se iniciou em 1964 em ruas, prédios e repartições públicas.

    Em uma sociedade realmente civilizada e humanista, seriam desnecessárias leis impedindo a homenagem, sobre qualquer forma, a torturadores e assassinos. No entanto, considerando-se o revisionismo histórico pelo qual o Brasil vem passando, algumas pessoas considerariam natural que se colocasse numa escola, rua ou parque o nome “Carlos Alberto Brilhante Ustra”. Afinal, esse é o autor do livro de cabeceira do presidente Jair Bolsonaro e seu rosto é estampa preferida pelos seus filhos, que exibem orgulhosamente camisetas com o rosto do torturador.

   Nesse contexto, é louvável que os vereadores de Lagoa se inspirem nas recomendações da Comissão Nacional da Verdade, que buscou investigar, relatar e resgatar as histórias de pessoas que foram mortas pelo regime militar no Brasil. Muitas dessas histórias não têm um desfecho, pois são inúmeros os casos de desaparecidos políticos, de famílias que ainda buscam um ponto final para o sofrimento imposto pelo governo durante a ditadura. Mais do que uma narrativa, essa Comissão foi muito importante por registrar, através de relatórios baseados em pesquisas e dados, uma fase obscura de nossa história. Como bem se sabe, o Brasil foi o único país na América do Sul que não puniu os crimes cometidos por militares durante a ditadura. Nem mesmo os investigou. No Chile, Argentina e Uruguai a Justiça passou a considerar que esses delitos são imprescritíveis, tendo como base tratados internacionais.

     É claro que sempre existem os dois lados da História, muitas são as narrativas e versões para os fatos. A guerrilha armada de esquerda surgiu como forma de luta contra o regime ditatorial, que não dava voz a ninguém que discordava dele. Há os que são a favor da luta armada, considerando personagens como Carlos Marihella um herói. Outros, acreditam que não seria necessário pegar em armas para lutar por liberdade. E há ainda aqueles que defendem as Forças Armadas a qualquer custo, como se perseguir, prender, torturar e matar civis não fosse crime ou nada sério, alegando o pretexto de “combater o comunismo”. Episódios como o atentado do Riocentro, que foi armado pelo próprio exército com o intuito de responsabilizar a esquerda guerrilheira pelo “terror”, desmistificam a aura de honestidade inquestionável da instituição na época.

     Sendo assim, diferenças políticas e ideológicas à parte, o ideal seria que assassinos e torturadores fossem vistos apenas como isso mesmo: assassinos e torturadores. Mas, como a realidade se impõe de forma diferente, é benéfico que nosso município aprove leis progressistas e em consonância com tratados internacionais. Quem sabe, logo mais, teremos mais leis e projetos politicamente inteligentes, como aqueles que promovem uma maior consciência ecológica, humanitária, levando-nos a evoluir como sociedade e beneficiando a toda a população.




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