sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Você foi um dos escolhidos?




Chegamos a mais um final de ano, um ano incomum, atravessado por uma pandemia que nos obrigou a adotar novos hábitos e, por consequência, levou a algumas possíveis aprendizagens coletivas. Considero a mais importante o papel da escola e do ensino presencial na vida de milhões de crianças e adolescentes do mundo todo. Talvez, finalmente, a educação e os professores recebam o reconhecimento que merecem, quando retornarmos, num futuro próximo, às salas de aula. Também o tão propalado home office parece ter vindo para ficar: é perfeitamente possível realizar alguns trabalhos à distância, gerenciando com mais autonomia o tempo e evitando trânsito, jornadas excessivas e reuniões pós-expediente. Além disso, a valorização do serviço público de saúde, em nosso país representado pelo SUS, figurou como consequência direta da pandemia (teve até Ministro da Saúde que não conhecia o SUS e acabou conhecendo).


O problema começa quando se fala em aprendizagens ou conquistas durante a pandemia e focamos na esfera individual. É comum olharmos para o ano que passou e buscarmos aspectos positivos do mesmo em nossas vidas (e até podemos encontrá-los). Há os que conseguem fazer isso sempre, em qualquer situação, enxergando o mundo com as lentes da positividade tóxica - aquela tendência a ver tudo com otimismo exagerado, evitando todo e qualquer aspecto negativo. Temos, então, textos e reflexões que chegam a afirmar que foi “um ótimo ano”, ignorando milhares de mortes, filas de desempregados, profissionais da saúde esgotados e famílias devastadas pela perda e a dor. Afinal, para quem utiliza as lentes da “good vibes”, há um lado bom em tudo, não é mesmo? Junte-se a esta postura a questão religiosa. Se você está vivo, é porque orou o suficiente. Teve fé. Seu Deus é forte, fiel, capaz de livrá-lo do vírus e do leito do hospital. Você foi um escolhido, deve ter algo de especial para continuar vivendo. Mas então… e aqueles que sucumbiram à doença? Não foram suficientemente devotos? Rezaram para o Deus errado? Estariam vivos se acreditassem um pouco mais?


Acredito que não. Talvez, seja um pouco desestabilizador das suas crenças pensar que se você está vivo, é porque é um grande privilegiado (não por intervenção divina): seguiu recebendo o salário; pode trabalhar de casa; ganhou o necessário para não passar fome; conseguiu cumprir os protocolos sem grandes prejuízos. Ao mesmo tempo, há pessoas que foram obrigadas a continuarem se deslocando em ônibus superlotados; que seguiram trabalhando nos mercados, farmácias e comércios essenciais, mais expostos ao vírus; que perderam seus empregos; que passaram fome… Seriam estas pessoas menos dignas da piedade divina? Ou apenas elas não tiveram a mesma sorte que você?


Comemorar nossos próprios privilégios e a nossa simples sorte diante de uma tragédia mundial é desconsiderar o sofrimento alheio. Não se exalte por se considerar um "escolhido". E, para aqueles que dizem que finalmente compreenderam o valor da família, da saúde  e das coisas simples da vida depois das privações e do isolamento sofridos ao longo do ano, tenho só uma coisa a dizer: é muito triste precisar de um evento traumático para chegar a uma conclusão tão óbvia. 



sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O cordão

 Você já agrediu alguém? Utilizou sua força física para dar socos, pontapés, estapear uma pessoa? Se a resposta é afirmativa, que tipo de sentimento ou emoção desencadeou a violência? Medo? Raiva? Ódio? Que tipo de sentimento toma posse de uma pessoa para que ela agrida outra, até a morte, até que a vítima fique imóvel e sua respiração cesse? Que espécie de pensamento passava pela cabeça dos dois algozes que assassinaram João Alberto Silveira Freitas no Carrefour, às vésperas do Dia da Consciência Negra?



Mais que raiva e ódio, provavelmente. Ao socar o rosto de um homem negro, os dois homens brancos legitimam a superioridade que acreditam ter em relação a ele. Não é reação a uma ameaça, nem mesmo o dever de proteger o patrimônio de uma empresa ou zelar pela segurança dos que ali trabalham. Afinal, se um cliente branco precisasse ser retirado do interior da loja, teria o mesmo destino cruel? É o racismo ao vivo, representado pelo joelho que pressiona as costas do homem subjugado, assim como aconteceu nos EUA, com George Floyd. O assassinato no Carrefour revela outro detalhe escabroso: uma mulher filmava tudo. O desenrolar da agressão, o desespero da vítima, os berros de dor. Você conseguiria sacar seu telefone celular da bolsa, calmamente, e filmar a barbárie, placidamente?


Você já imaginou seu pai ir ao mercado, à noite, e em seguida receber a notícia de que ele foi morto, por espancamento, por um segurança e um policial militar?

Você já imaginou seu filho ser morto a caminho da escola, por tiros disparados de um helicóptero da polícia?

Você já imaginou sua filha ser alvejada dentro do transporte escolar, e morrer, no meio de um confronto entre policiais e bandidos?

Você já imaginou o carro da sua família sendo metralhado, durante um passeio no fim de semana, com seus filhos e esposa dentro, sem nenhum motivo?




Se você é branco, talvez não tenha imaginado nada disso, porque simplesmente não precisa. O privilégio branco é isso: poder sair na rua sem medo de ser abordado com violência; não temer que seus filhos sejam mortos de formas estúpidas; fazer compras no mercado, à noite, sem ser espancado pelos seguranças, mesmo que faça algo errado. 


Entre as  inúmeras manifestações do Black Lives Matter que ocorreram ao longo de 2020, nos EUA, um fato inusitado ocorreu: para proteger as pessoas negras que se manifestavam de reações policiais violentas, os brancos participantes criaram cordões de isolamento, se interpondo entre a polícia e os negros. Um cordão do privilégio branco, evitando ainda mais desgraça. Aqui, não houve cordão nenhum: desde o Massacre dos Porongos, em que os Lanceiros Negros foram dizimados, com a colaboração de grandes heróis brancos, até hoje cultuados (que inclusive dão nomes a praças, ruas e cidades), seguimos confortáveis, muitas vezes negando e relativizando o racismo com frases vazias e vídeos do Morgan Freeman.


Está na hora do nosso privilégio branco acordar e dar as mãos, formando um grande cordão humano contra o racismo, para proteger nossos irmãos negros. 

Quando começamos?


sábado, 10 de outubro de 2020

Nas entranhas

 



Olhando para a superfície dos dias atuais, especialmente no Brasil, talvez seja difícil compreender como chegamos a este buraco civilizatório (peço licença para o pessoal do canal Meteoro ao utilizar tal expressão, brilhantemente criada por eles).No entanto, guardo na memória fragmentos de conversas, comentários ouvidos aqui e ali, que volta e meia ressurgem, como se fossem reminiscências explicativas da barbárie.

O ano era 2009. Vivíamos a epidemia de H1N1. Na escola, duas professoras evangélicas conversavam sobre uma delas ter contraído a doença e se curado rapidamente, mesmo estando grávida. A outra comentou: “você é de Deus, por isso foi curada.” Desta fala, conclui-se que, aqueles que morreram em decorrência da doença, “não eram de Deus”- por serem adeptos de outra religião (ou de nenhuma).

Em 2013, durante um encontro do Pacto Nacional para a Alfabetização na Idade Certa, vivíamos a onda de protestos contra a corrupção, iniciada pela indignação causada pelo aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus. Entre um cafezinho e uma bolachinha na hora do intervalo, os professores se reuniam, conversavam, contavam piadas. Uma professora, ao falar sobre a corrupção: “Tem que voltar a ditadura mesmo. Era tudo melhor. Tinha segurança nas ruas. Só se dava mal quem estava fazendo algo errado.” (Mais tarde, esta professora estaria usando a foto do olho choroso com bandeira do Brasil ao fundo, em suas redes sociais, e defendendo a “revolução de 1964”.)

Alguns meses depois, na reunião pedagógica de início de ano letivo, uma professora, também evangélica, diante da questão “como abordar o uso de drogas em sala de aula?”, respondeu: “Eu digo que na Bíblia está escrito que o homem reinará sobre todos os animais e todas as plantas, então, uma planta (maconha) não pode dominar as pessoas.” Uma abordagem religiosa da questão resolveria o problema das drogas, na visão da professora.

Já em 2015, diante de uma rebelião numa unidade prisional superlotada, outra professora, em outra escola, cravou: “Tem que entrar e matar tudo mesmo. São bandidos, se fossem bons, não estariam na cadeia.” Horrorizada, tentei argumentar, citando o excelente documentário “Sem pena”, que fala sobre a realidade dos presídios brasileiros, nos quais grande parte dos detentos passam anos sem julgamento, muitos deles sendo inocentes.  Não creio que a professora tenha assistido ao documentário, muito menos reavaliado seu posicionamento diante dos fatos.



Mais recentemente, em 2018, enquanto aguardava um corte de cabelo, escutei a conversa entre um cliente e o dono do salão. Falavam sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro. O cliente, branco, de classe média alta, discorria sobre o fato de os cidadãos, em sua maioria negros, pobres, moradores das comunidades, estarem sendo revistados ao sair de casa. Segundo ele, tudo certo, afinal, quem não deve, não teme, qual o problema de ser revistado e mostrar seus documentos, se não é bandido ou ladrão?

Ao rememorar essas falas, tudo fica mais claro. A fé tomando o espaço da Ciência e revelando alguns mais merecedores da vida do que outros. O fetiche pelo autoritarismo, a nostalgia em reviver uma época na qual a liberdade não existia, mas alguns tinham a sensação de que era tudo melhor, porque a imprensa era censurada e publicava receita de bolo no lugar da verdade. A sanha punitivista, o desejo de vingança e de “limpar” a sociedade, o combate à violência com a morte, o “bandido bom é bandido morto” clamado entre paredes de um espaço educativo, saindo dos lábios de uma educadora. O culto à repressão, a tentativa de minimizar a humilhação do favelado, afinal, o cliente do salão jamais será submetido ao constrangimento de uma revista diária, no seu condomínio de luxo- talvez nem mesmo “merecendo”, caso cometa um delito grave. A justiça não é cega - e enxerga especialmente a cor da pele.

Estava tudo lá, nas entranhas do pensamento do brasileiro (ou de grande parte dele). Examinemos as vísceras, para desvelar essa identidade tosca e retrógrada, que prefere armas a livros, que desdenha da Ciência, que elege a ignorância e cultua a violência, que apenas reproduz as desigualdades e preconceitos de séculos.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Maconha para quem?


Em recente entrevista a uma rádio local, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) deu um show de desinformação a respeito do uso medicinal da Cannabis, mais conhecida como maconha. Em sua fala, o político colocou-se veementemente contra a aprovação do substitutivo do Projeto de Lei 399/2015, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que prevê o aumento da oferta das medicações produzidas a partir de princípios ativos da planta. Enaltecendo a política (fracassada) de guerra às drogas, Osmar Terra conclama seus seguidores e a população em geral a se manifestarem contra tal legislação.



Trago aqui algumas reflexões baseadas nos estudos de dois grandes pesquisadores da área. O primeiro deles, o neurocientista Sidarta Ribeiro, PhD pela Universidade de Duke (EUA) e diretor do Instituto do Cérebro da UFRN, afirma que a maconha, ao contrário do que Terra propaga, contém substâncias anti-inflamatórias, que estimulam o crescimento dos ossos, antiepiléticas e antibacterianas. Por isso, várias doenças são tratáveis com maconha: autismo, carcinoma, distonia, dor crônica, depressão, encefalopatia, epilepsia, esclerose, esquizofrenia, fibromialgia, paralisia cerebral, Parkinson, retardo mental... Muitas pessoas, portadoras destas doenças, seriam beneficiadas, caso o projeto fosse aprovado. Os medicamentos à base de cannabis são importados, caríssimos, chegando a custar R$ 2.500,00 a dose.



Mas Osmar imagina que tal aprovação fará com que em cada família se instale o vício das drogas, e que os jovens se tornem zumbis puxadores de fumo, que têm seus cérebros destruídos pelo cigarro do capeta (outra ideia errônea, a de que a maconha destrói neurônios.  O professor Sidarta afirma que “a ciência por muito tempo serviu à proibição. E era uma má ciência, financiada para provar mentiras. Isso nos anos sessenta, maconha mata neurônios. Que mentira! Maconha promove novos neurônios e promove novas sinapses”). Ou seja, muitos anos se passaram, estudos e pesquisas foram feitos, mas a população em geral continua à mercê de políticos que propagam falsas ideias a respeito do tema.

Isto nos leva a outro estudioso do tema: Carl Hart, neurocientista norte-americano, professor da Universidade de Columbia e autor do livro “Um preço muito alto”. Para ele, é necessário acabar com a desinformação a respeito das drogas, combatendo falsas premissas.  Em suas palavras: “Não deveríamos prender pessoas. É preciso manter os usuários e dependentes fora da prisão, onde há outros problemas e doenças. Deveríamos multá-las ou dar um alerta. Não deveríamos fazer uma guerra contra drogas porque não há uma guerra contra dirigir carros. Precisamos mudar nossa abordagem se queremos aumentar a segurança de nossa sociedade.”

 


O autor é um crítico ferrenho da política de guerra às drogas, exaltada pelo deputado Osmar. Para entender o posicionamento dele, pense nas últimas notícias que você viu sobre combate às drogas no seu município: quase sempre, prisão de pequenos traficantes, com quantidades insignificantes de entorpecentes...Dificilmente a polícia consegue prender os grandes traficantes, que operam os esquemas- e, quando consegue, eles continuam fazendo o seu “trabalho” de dentro das prisões. Ficam as forças policiais enxugando gelo, quando o foco principal do combate às drogas deveria ser outro- uma questão de saúde pública.

Se olharmos para as estatísticas, veremos que a droga que mais impacta na saúde e aumenta os índices de violência é legalizada e socialmente aceita, tendo seu consumo estimulado amplamente pela mídia: o álcool. E ninguém está pensando em reavivar uma lei seca, até porque a indústria das bebidas alcoólicas é extremamente lucrativa. Ah, e se você costuma tomar aquele tranquilizante antes de dormir, saiba que está usando uma droga.  É preciso conhecer a história das drogas e por que algumas se tornaram legais, enquanto outras são vistas pelos deputados conservadores como se fossem a encarnação do diabo na Terra. É tudo uma questão de estudo, informação, esclarecimento. Finalizo com as palavras de Carl:

"As pessoas não entendem o que as drogas fazem, por isso são contra que outras usem. Tudo que ouvimos sobre drogas e sobre os usuários são informações erradas. Antes de mudar a política de drogas, temos que aprender tudo sobre elas. Não temos como pensar em melhorar o trato às drogas sem conhecimentos básicos".

Links para saber mais:
https://www.brasildefato.com.br/2018/08/01/neurocientista-fala-dos-usos-medicinais-da-maconha-e-das-barreiras-ao-autocultivo
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/05/140506_entrevista_carl_hart_rb
https://veja.abril.com.br/blog/cannabiz/projeto-de-lei-da-cannabis-medicinal-ignora-direito-ao-cultivo-individual/
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/08/31/senadores-divergem-sobre-projeto-que-libera-medicamentos-a-base-de-maconha

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Enfim, a meritocracia

Quem Tira Nota Baixa é Mau Aluno?

 

Há uns dez anos, na escola em que trabalhava, havia um aluno que tocava o terror em determinada turma (sempre tem, ao menos um). Era aquele combo: rebelde, agressivo, recusava-se a fazer as atividades, só bagunçava. A professora, que já esgotara seus recursos para lidar com a situação, decidiu adotar uma estratégia inusitada: chamou o menino para uma conversa e combinaram que, se ele se comportasse durante as aulas (o desespero era tanto que nem a aprendizagem estava em jogo, o negócio era conseguir dar aula para os demais alunos), ganharia certa quantia, em dinheiro, por semana.

Acordo aceito, eis que a criatura passa as duas primeiras semanas diferente, sem aprontar, até participando das aulas. Uma tranquilidade. Mas ao final da terceira semana, o aluno pede que a professora aumente o valor pago.

Corta para alguns anos mais tarde, mesma escola. Reunião pedagógica de início de ano. Professores preocupados com o desinteresse de uma parcela considerável dos alunos. Qual estratégia adotar? Eis que surge a sugestão de uma das professoras: na escola em que trabalhou, anteriormente, os bons alunos, aqueles que aprendiam, que se esforçavam, entravam em férias vinte dias antes. Os demais, que não tinham demonstrado o “rendimento” esperado, permaneciam na escola, para “recuperar” o que não aprenderam.

Em ambos os casos, existe a ideia de premiar, seja pela mudança na conduta, seja pelo esforço e aprendizagem demonstrados. O prêmio pode vir em forma de dinheiro ou de férias antecipadas. Duas questões complicadas estão envolvidas nessa ideia de premiar alunos.

Primeiramente, o que é um bom aluno? Aquele que aprende? Que não demonstra dificuldades? Que obtém as melhores notas? Que se comporta de forma adequada? Se o bom aluno é aquele que aprende e se esforça, devemos concluir, então, que existe o mau aluno, aquele que vai aos trancos e barrancos, mesmo que seja em virtude de distúrbios ou deficiências? Vamos dizer que autistas e disléxicos são maus alunos agora, e responsabilizá-los pela não aprendizagem, eximindo o professor e a escola do seu papel?

O outro ponto é aquele que coloca a aprendizagem ou o estudo como algo chato, enfadonho, difícil, uma obrigação- nesse contexto, entendemos que é necessário premiar o aluno de alguma forma, dar um incentivo para que estude. O conhecimento deixa de ser um prazer para se tornar algo obrigatório- o qual só faz sentido se existe uma recompensa. Tenho lutado contra essa ideia no que diz respeito à atitude de alguns pais- se fizer o tema, pode usar o celular. Se passar de ano, ganha a bicicleta.

Como lidar com o mau comportamento em sala de aula - EducaBras

E eis que o governo federal, através do MEC, lança a ideia de premiar, em dinheiro, os melhores alunos e atletas de escolas públicas. Enfim, a meritocracia. E o aluno que não é bom em matemática e ciências, reprovando em tais disciplinas, mas tem um talento excepcional para desenhar, como fica? E os alunos com dificuldades de aprendizagem ou deficiências, como serão premiados? Serão considerados maus alunos, por mais que se esforcem e superem diariamente suas limitações? Discutir os modelos de ensino das escolas, metodologias, recursos, capacitação de professores, projetos inovadores- não se fala nisso.

 O discurso meritocrático está, enfim, tornando-se política pública.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Somos todos palhaços?

A reportagem do jornal local conta a história do professor que se “reinventou” durante a pandemia, dando aulas de Educação Física de uma forma inusitada e inovadora, utilizando um aplicativo de edição de vídeo e encarnando diversos personagens do universo infantil, como o palhaço que ensina a virar cambalhotas.

Circo Mágico da Leitura: "Escola não é Circo Professor não é ...

Tornou-se constante esse tipo de notícia desde que, professores e alunos, confinados e afastados devido à pandemia, precisaram alterar suas rotinas, mas manter as aulas de forma remota. É uma tal de reinvenção e inovação sem limites, apesar do grande contingente de crianças e adolescentes sem acesso à internet e a dispositivos adequados para acompanhar as atividades propostas.

Surge a história da professora que disponibiliza aulas impressas em um varal em frente a sua casa, com direito a lápis de cor e outros materiais, bancados pelo salário modesto. Ou a educadora que, arriscando a própria saúde, vai de casa em casa levando as atividades para os alunos que não conseguiram acessar as aulas on line. Heróis, propala a mídia e compartilham os crentes na "educação por amor".

Mas inovar não basta: é preciso estar disposto a encarnar um papel que pode ser invasivo e desconfortável. Somos apresentados ao conceito de aulas síncronas, que são aquelas que acontecem em tempo real, para possibilitar a interação dos alunos. Nesse caso, o professor pode, muitas vezes, ser o palhaço sem figurino:enquanto se esforça para explicar o conteúdo de forma acessível, os alunos estão ligados em outra "janela", assistindo a algum vídeo, curtindo uma música ou jogando. Tenho ouvido relatos de colegas que, sem o hábito de gravar vídeos e ver a própria imagem, sentem-se profundamente invadidos e desconfortáveis diante da nova exigência.

No entanto... A educação não é sacerdócio. Para ser um bom professor, não basta amar o que faz. Isso é o que o discurso de coach quer fazer com a profissão: trabalhe enquanto eles dormem, estude enquanto eles descansam, atualize-se enquanto eles se divertem. Se você realmente tem o dom de ensinar, vai superar todas as dificuldades e fazer com que todos aprendam-mesmo remotamente!

E dá-lhe aplausos para o educador. Porém, vocês batem palmas para o professor na sexta à noite, e no sábado pela manhã ele precisa preparar uma nova aula. E editar um vídeo. E responder aos questionamentos dos pais no grupo. E preencher a planilha com porcentagens de alunos que participam ou não das aulas, de quais delas, e com que frequência. Quase sempre, esse mesmo professor necessita fazer uma mágica contábil no mês, para pagar as contas, visto que seu salário está atrasado ou parcelado. Inclusive, para bancar a internet que utiliza ao dar aulas na plataforma on line.

Palmas são comoventes e bem-vindas, mas isso não é valorização do professor. Valorização é pagar um salário decente em dia. É dar condições mínimas para um trabalho eficiente. É proporcionar formação continuada que realmente capacite os profissionais para os desafios constantes.


O ensino remoto, a pandemia e a educação do faz de conta – SindoIF

Estamos aprendendo com a pandemia, sim. Novas tecnologias, aulas remotas, aplicativos, edição de vídeo. No entanto, por mais que o professor se esforce e supere limitações, ele não dá conta das desigualdades sociais que se refletem na estrutura da escola pública. Cinco alunos meus acessam aulas on line. Destes, apenas um dispõe de computador para realizar as atividades. Tentei realizar algumas atividades que elaborei, no celular. É muito ruim. Não é o ideal. E não há aplicativo de edição de vídeo ou peruca de palhaço que modifique isso.

 

 

 


quinta-feira, 23 de julho de 2020

O país que chumba as bichas



Minha avó paterna fazia um ritual curioso para debelar as “bichas” dos netos. Bichas, na época, era o nome que os temidos vermes que acometiam o intestino das crianças recebiam. Consistia em sentar o “doente”, imóvel, numa cadeira, cobrindo-o com um pano branquíssimo (tinha que ser branco). Em seguida, a avó equilibrava na cabeça do vivente um copo cheio de água. E então vinha a parte mais perigosa: derramar chumbo derretido dentro do copo. Fazia um barulho enorme, pipocando e formando bolinhas. Nós, a turma de crianças da família, espiávamos por entre as frestas da porta, pois o “atendimento” precisava ser individual. Na primeira vez que presenciei o ritual, perguntei aos mais velhos o que era aquilo, e recebi a resposta, solene: “estão chumbando as bichas” do fulano.

O chumbamento de bichas se transformou em (um) dos meus pesadelos da infância. E se a avó derramasse aquele chumbo derretido, que devia queimar a pele, no braço ou no rosto de alguém? Eu não sabia o que fazer para que as bichas não me atacassem, então rezava para não precisar passar pela "cura" que me parecia mais perigosa que benéfica.

Até que fui salva pela professora de Ciências. Durante um bimestre, estudamos várias parasitoses, seus causadores, formas de contágio e aquela palavra nova e deliciosa: profilaxia. Bem no final de cada aula, a professora e o livro didático reforçavam como fazer para evitar tais doenças: higiene pessoal e dos alimentos, evitar andar de pés descalços, entre outras medidas simples. Ufa. O chinelo havaianas, o sabonete e uma alface bem lavada me livraram do chumbamento.

E então, quase quarenta anos depois, o benzimento da avó me vem à cabeça a cada vez que um novo e milagroso medicamento contra a COVID-19 aparece e é alardeado por pessoas que, infelizmente, parecem ter faltado às aulas básicas de Ciências. Assim como o benzimento, ouço os defensores da cloroquina e ivermectina (inclusive médicos) que dizem: mal não vai fazer, então, por que não usar, visto que não há outra alternativa?

Bem, ninguém nunca morreu por ter sido benzido com arruda e água benta. Mas pode ter deixado de fazer um tratamento crucial, para uma doença séria, acreditando numa solução mágica. Da mesma forma, se acreditamos que os medicamentos sem comprovação científica nos protegem do coronavírus, a tendência é relaxar com as medidas comprovadamente eficazes: etiqueta respiratória, higiene das mãos e distanciamento social.

Diante de uma doença nova e que tem abreviado milhares de vidas, é normal recorrer a soluções simples para problemas complexos. A atitude do presidente do Brasil funciona nessa lógica. Talvez por isso ele esteja disposto a protagonizar cenas como a do último final de semana, na qual ergueu uma caixinha do medicamento cloroquina, (assim como minha avó erguia o copo de água antes de colocar sobre a cabeça do neto), enquanto a plateia exaltava “a cura” (no caso de Bolsonaro, é muito útil alardear um remédio que faça com que a população se imagine imune, para reabrir escolas e comércios).

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Este é o resultado de um país que decidiu desvalorizar a Ciência: médicos prescrevendo remédios sem eficácia comprovada, governantes distribuindo kits deles como milagres. O desprezo pela educação causa outro efeito: uma população que acredita em qualquer informação que confirme seus desejos, sem ter o senso crítico para questionar. Assim, seremos o Brasil que chumba bichas eternamente. E que continuará a eleger vermes.

quarta-feira, 4 de março de 2020

Pesquisa "Véio da Havan"


 Aí o teu filho precisa fazer uma pesquisa para a disciplina de empreendedorismo para a escola, sobre o véio da Havan. O que tu faz? Arregaça as mangas e produz um pequeno dossiê dessa trajetória tão "edificante". 

Luciano Hang

Origens e início da trajetória empresarial

Luciano Hang nasceu em Brusque, Santa Catarina, em 11 de outubro de 1962. É um empresário brasileiro que fundou e hoje administra as Lojas Havan (uma das maiores lojas de departamentos do Brasil).  Em 2019, foi eleito pela revista Forbes como o 21º homem mais rico do Brasil.
Começou a trabalhar aos 17 anos na Fábrica de Tecidos Carlos Renaux, onde seus pais trabalhavam. Depois comprou uma empresa de tecelagem, a Santa Cruz, onde expandiu seus negócios. Em 1986, juntamente com o sócio Vanderlei de Limas, abriu uma pequena loja de tecidos. Da sociedade surgiu o nome Havan (junção dos nomes Vanderlei e Hang).

Envolvimento com a política

Em 2018, Hang apoiou o então candidato à presidência Jair Bolsonaro e foi multado em R$ 10 mil pelo TSE por ter pago publicações no Facebook para impulsionar a campanha. Também há a acusação de ter pago disparos de mensagens por whatsapp contra o PT para impulsionar a campanha de Bolsonaro.

Processos e condenações

Em 1999 Hang foi acusado de contrabando pela Justiça, com a acusação de que não teria declarado 1500 quilos de veludo importados pelo porto de Itajaí. Essa foi a primeira acusação de uma série de denúncias que resultariam na condenação do empresário. Ele criou uma importadora de fachada, que não tinha sede própria nem empregados. Assim, conseguia adulterar faturas e notas fiscais como forma de esquentar os produtos comprados no exterior. Na mesma denúncia, o empresário foi acusado de usar duas contas em Miami para lavagem de dinheiro de origem criminosa.
Entre abril de 2005 e outubro de 2014, Luciano Hang realizou 50 empréstimos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar a expansão de suas atividades comerciais no país, resultando na abertura de quase 100 lojas em 13 estados do Brasil. Os empréstimos totalizam cerca de R$ 20,6 milhões.
Luciano Hang acumula uma dívida de R$ 168 milhões com a Receita Federal e o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que deverá ser quitada em 115 anos.

Fonte:
Intimidação e chantagem

O empresário também foi proibido pela justiça de adotar condutas capazes de influenciar votos de funcionários, durante a eleição de 2018, sob pena de multa de R$ 500 mil. Isso porque foi acusado pelo MPT de constranger seus 15 mil funcionários durante dois "atos cívicos" em diferentes lojas de Santa Catarina, nos quais dizia que a empresa poderia vir a "fechar as portas e demitir" seus colaboradores caso algum candidato de esquerda vencesse as eleições.

Fonte:
As Lojas Havan são lojas de departamentos que vendem, prioritariamente, produtos importados da China, muitos de qualidade duvidosa. Além disso, a instalação desse tipo de comércio impacta grandemente o comércio local, de forma negativa. O empresário Hang costuma utilizar seu poder econômico para chantagear vereadores para aprovarem projetos que o beneficiem, como aconteceu em Jaraguá do Sul, em 2015. Hang anunciou a demissão de 200 funcionários e fechamento de duas lojas na cidade caso os vereadores não aprovassem o projeto que permitia a abertura do comércio aos domingos.

A polêmica como marketing

Na inauguração de uma loja em Santa Maria, RS, em 2019, Hang atacou as universidades públicas, dizendo:

“Eu, Luciano, não colocaria meu filho em uma universidade pública por que você educa seu filho e ele volta um comunista, não quer trabalhar e quer atrapalhar quem faz”.
“As pessoas que vão às universidades federais são doutrinadas para serem zumbis, para trabalharem dentro do governo e atrapalharem a iniciativa privada, para ser contra o empreendedor, para ser contra quem gera riqueza nesse país”.

Em dezembro de 2019, Hang publicou um vídeo em suas redes sociais, criticando a obrigação de ter de colocar piso tátil e de disponibilizar cadeira de rodas automática em loja na cidade de Chapecó (SC). No vídeo, Hang critica a exigência e aquilo que chama de burocracia, desconsiderando a legislação vigente sobre o tema.

Recentemente, cerca de 30% dos funcionários da loja Havan em Santa Cruz do Sul (RS) foram demitidos. Empregados relatam que há uma queda na frequência de clientes e que a empresa estabeleceu metas imbatíveis como o objetivo de justificar as demissões.

Fonte:


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

O que você está pensando?





Ei, você! Você aí! Você mesmo, aonde pensa que vai com essa pilha de livros, todos esses títulos acadêmicos e pesquisas desenvolvidas por anos? Acha que vai continuar recebendo bolsa, dinheiro público, pra isso? Só para descobrir uma forma mais rápida de diagnosticar o coronavírus? Parasita! Guarda esse teu entusiasmo ideológico e esquece essas bobagens, os recursos acabaram.

E esse outro aí no canto? Está chorando por quê? Pensa que é brincadeira gastar o dinheiro do contribuinte com exposição de arte esquerdista, que ataca os valores da família brasileira? Isso lá é coisa que o cidadão de bem queira ver? Recolhe todo esse lixo, vamos dar espaço e dinheiro para quem representa os verdadeiros valores cristãos e não para os degenerados.

E você aí, fazendo campanha pra todo mundo virar vegano, compartilhando discurso daquela Greta pirralha e dizendo que os mais de quatrocentos agrotóxicos liberados vão fazer mal à saúde? Não pensa no produtor rural? Naquele que põe comida na sua mesa? Desde o tempo das cavernas somos carnívoros, vai você agora mudar o mundo com esse mimimi ambientalista? E nem vem com essa balela de aquecimento global e preservação de terras indígenas, é tudo uma invenção marxista para impedir o progresso!

E você aí, senhora? Onde pensa que vai com essas malas e esse passaporte? Volta aqui. Empregada doméstica tem que saber qual é o seu lugar, que certamente não é na Disney. A farra da época do PT acabou. Precisamos salvar o Brasil. Seu sacrifício é necessário. Toma aqui esta passagem de ônibus pro litoral. Só no final de semana, ein? Deixa a mala aqui e vai servir um uísque doze anos para o patrão. Ele é do núcleo inteligente do governo e sabe o que faz. E o que diz.



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