sexta-feira, 20 de setembro de 2019




Dezessete silêncios




Eles estão enfileirados, lado a lado, na sala de informática da escola. Há anos suas cordas inertes não produzem música. Dezessete violões ociosos, testemunhas de um silêncio que é um sintoma.

Foram comprados na época em que um programa do governo, que tinha como objetivo ampliar o tempo de permanência dos alunos na escola, era adotado em diversos lugares do país. O Mais Educação, e também o Mais Cultura, foram oportunidades para os alunos de realidades carentes almejarem novos rumos em suas vidas. Aprender a tocar um instrumento musical era uma dessas oportunidades. Em tempos mais antigos ainda, sem nenhum recurso extra do governo, nessa mesma escola, um lindo coral encantava toda a comunidade, sob o olhar sensível e engajado de professoras competentes e criativas.

O tempo passou e o coral, sem apoio nem investimento, calou-se. O silêncio que ficou em seu lugar junta-se ao silêncio dos violões sem músicos. Essa ausência de música na escola é sintoma de uma era na qual a arte soa imprópria. Imagens podem chocar e são censuradas, sejam elas pinturas numa exposição ou ilustrações num livro. Alguns filmes têm suas exibições proibidas.  Há quem julgue as formas de arte proibidas como arte ruim ou não-arte. Olhares do obscurantismo que enxergam perversão em tudo. Será que eles se incomodam com o silêncio dos violões?

Para quem tem o mínimo de sensibilidade, esse silêncio é doloroso. Dói ao pensar nas mãos que poderiam estar dedilhando canções, nas melodias que produziriam, na diferença que isso pode fazer na vida de crianças e adolescentes. Machuca mais ainda imaginar que os dezessete instrumentos permanecerão lá, intocados. Junto ao pó que acumulam, milhares de oportunidades de vida e de transformação são desperdiçadas. Talvez jamais sejam recuperadas.

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