quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Consequências e incoerências



     Voltando de viagem há uma semana passamos por três caminhões abarrotados de leitões. Meu marido comentou que provavelmente seriam abatidos para as festas de fim de ano. Passei o resto da viagem pensando em como seria o destino dos bichinhos e que um deles poderia estar na ceia do nosso Natal. Além disso, uma constatação óbvia não saía da cabeça: o mais simples ato sempre resulta numa consequência. Ou seja, o ato de comer carne resulta na morte de animais. Fato. Mas geralmente não pensamos sobre isso.
      Esse ano que termina foi extremamente conturbado na área política: corrupção, petrolão, desvios de dinheiro, contas na Suíça, pancadaria no Congresso e no Senado. É incoerência pura esse cenário, visto que essas pessoas estão lá justamente para elaborar leis que resultem numa sociedade justa e igualitária. Mas, veja bem, cada cidadão brasileiro tem um dedo nisso. Exatamente o dedinho que usa para apertar a tecla “confirma” de quatro em quatro anos. Mas nem sempre o eleitor está plenamente consciente disso.
      Outro fato que nos leva a pensar sobre o assunto: a tragédia ambiental em Mariana por conta do rompimento da barragem de resíduos de mineração. Há alguns anos universidades brasileiras vêm pesquisando formas de utilizar esses rejeitos e transformá-los em produtos para construção civil, com quase 80% de aproveitamento. Existem, inclusive, processos já patenteados. As empresas mineradoras sabem disso, mas não demonstraram nenhum interesse em adotá-los. Provavelmente, se num lampejo de consciência (e inteligência) algum dono dessas empresas cogitasse que barragens poderiam romper, destruir povoados, matar pessoas e animais, poluir rios e mar, pensaria em outras alternativas para os rejeitos. É muita incoerência.
       Comer carne, votar, explorar minérios, são exemplos de atos praticados e que geram consequências. Não estou aqui querendo estragar a ceia de fim de ano de ninguém. Talvez você esteja lendo agora e pensando que precisa ir ao mercado para encher a geladeira para o feriado. Mas imaginou quanta exploração humana e destruição do meio ambiente ocorrem para que as gôndolas dos supermercados sejam abastecidas todos os dias?  Pode-se alegar que não há nada que possamos fazer para mudar isso. Acredito que podemos sim. E a mudança começa com a tomada de consciência a respeito das consequências de tudo que fazemos, presenciamos e vivemos. Quem sabe, assim, em 2016 tenhamos um mundo um pouco mais humano e justo... Mais coerente.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Morrer de amor



       Uma amiga próxima, com mais de sessenta anos, era vítima constante de violência psicológica praticada pelo esposo, com o qual era casada há quase quarenta anos e tinha filhos, netos e uma vida estruturada. Ele demonstrava um ciúme descabido e monitorava todos os passos da mulher. Depois de algum tempo, chegou ao extremo da violência física, sendo que minha amiga ficou toda marcada, com hematomas enormes na face e dentes quebrados. Apesar da história de amor que vivera durante tantos anos com seu marido, ela não hesitou em procurar a polícia, tomar todas as providências cabíveis e previstas em lei, além de romper com o ciclo da violência, saindo de casa e pondo um fim no relacionamento.

       Minha amiga recusou-se a morrer de – ou por-  amor. Na verdade, uma mulher vítima de violência  não tem muitas condições de discernir entre amor e culpa, amor e vergonha, amor e medo. Situações assim são resultados de abusos constantes e diários, que se repetem por períodos variados de tempo. Não são todas as mulheres que têm a coragem de tomar uma atitude e terminar o relacionamento violento. Infelizmente, as que insistem neles podem vir a engrossar as estatísticas de violência: são treze mulheres mortas por dia em nosso país. Enquanto você lê esse texto, quantas não terão sido violentadas e abusadas?  Há ainda o caso daquelas que tomam coragem de acabar a relação, mas continuam sendo agredidas e ameaçadas pelos ex-maridos ou namorados que não aceitam a separação. O Brasil é o quinto país do mundo onde mais se matam mulheres – e o pior é que quase metade dessa barbaridade é cometida por familiares. Infelizmente, os números apenas ilustram os fatos que vemos diariamente pela TV, as notícias que lemos no jornal e na internet. 

         Sabe-se que são muitos fatores que contribuem para essa violência. Talvez o mais discutido seja o fato de nossa sociedade colocar a mulher como objeto. Objetos são feitos para serem usados e, quando não são mais úteis, descartados. Ou pedaços de carne, corpos bonitos, bronzeados e perfeitos (que o digam os comerciais de cerveja!) que estão aí para serem desfrutados e dar prazer ao homem. Objetos, carne, a mulher como posse do homem, do marido, do namorado. E, caso algo aconteça, se ela adotar uma postura mais independente ou que refute essa cultura machista, poderá sofrer as conseqüências e morrer de amor. Não, de amor não. Morrer em decorrência da ignorância e da estupidez do assassino, nas mãos de um covarde.

P.S: Não poderia deixar de fora desse post um fato ocorrido durante a passagem recente  da banda Pearl Jam (da qual sou fã) pela Colômbia. Na ocasião, os integrantes vestiram camisetas laranja durante o show em Bogotá, em apoio à iniciativa “ni una menos”. As camisetas são relacionadas à campanha #orangetheworld, com 16 dias de ativismo contra a violência baseada em gênero. E também deixo a letra da música “Better man”,que fala justamente sobre uma mulher vítima de violência doméstica e que justifica sua permanência na relação por não conseguir encontrar um homem melhor. Vale a pena ler e escutar.

Homem melhor

Esperando, olhando o relógio, são quatro horas, isso tem que acabar
Diga a ele que não aguenta mais, ela pratica o seu discurso
Assim que ele abre a porta, ela rola
Finge dormir enquanto ele a observa

Ela mente e diz que está apaixonada por ele, não consegue achar um homem melhor
Ela sonha em cores, ela sonha em vermelho, não consegue achar um homem melhor
Não consegue achar um homem melhor
Não consegue achar um homem melhor
Oh

Falando para si mesma, não há mais ninguém que precisa saber, ela diz para si mesma
Oh
Memórias voltam de quando ela era corajosa e forte
E esperando o mundo vir até ela
Ela jurava que sabia, agora ela jura que ele se foi

Ela mente e diz que está apaixonada por ele, não consegue achar um homem melhor
Ela sonha em cores, ela sonha em vermelho, não consegue achar um homem melhor
Ela mente e diz que ainda o ama, não consegue achar um homem melhor
Ela sonha em cores, ela sonha em vermelho, não consegue achar um homem melhor
Não consegue achar um homem melhor
Não consegue achar um homem melhor
Yeah


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