Uma das
coisas que mais me incomoda como professora é o fato de não poder sair da sala
de aula para buscar algum material ou por outro motivo eventual, pois as
crianças nunca, jamais, devem ser deixadas sozinhas, não só porque caso algum
acidente ocorra, a escola e a professora são responsáveis, mas porque os alunos estão habituados a “se
comportarem” apenas quando alguém os está vigiando. Assim, são constantemente
monitorados, cuidados, controlados, na sala de aula, no pátio, no recreio, no
refeitório. E crescem com essa ideia ou forma de agir na qual só se faz o que é
correto quando alguém está vendo.
Quando não é o olho da professora, é o
olho de Deus, nos discursos religiosos que pretendem controlar e incutir a ideia
de que se você não se comporta, Deus é testemunha de seus atos e até
pensamentos.
Discordo tanto da forma como habituamos
as crianças a fazerem o que é correto devido ao monitoramento constante, como também não acredito que seja ideal usar
a religião como forma de amedrontar. Mas, como disse Dostoiévski, se Deus não
existisse, tudo seria permitido. As religiões têm mesmo um papel controlador da
moral na história das civilizações, e não sou eu na minha sala de aula que
conseguirei contestar isso.
No entanto, essa é uma questão ética. No
centro da cidade, os semáforos não multam mais. É comum ver os carros passando
o sinal vermelho, algo raro quando a fiscalização eletrônica ainda existia.
Vivemos numa cultura onde só andamos na linha quando estamos sendo filmados,
monitorados, multados, vigiados. Não fazemos o certo pelo certo, mas pelo medo
da punição. Talvez esse seja um comportamento que precise ser revisto. Porque
não há virtude alguma nisso.
Eu não devo andar em alta velocidade não
porque posso ser multado, mas porque isso coloca minha vida e a vida dos outros
em risco. Eu não devo matar não porque posso ir para a cadeia ou para o inferno,
mas porque isso é errado. As crianças deveriam ter a capacidade de ficar cinco
minutos sozinhas em sala de aula sem provocar nada de grave, sem a necessidade de
estarem sobre o olhar implacável de uma professora que precisa se converter em
vigia. Quem sabe, um dia.