Há uns dez anos, na escola
em que trabalhava, havia um aluno que tocava o terror em determinada turma
(sempre tem, ao menos um). Era aquele combo: rebelde, agressivo, recusava-se a
fazer as atividades, só bagunçava. A professora, que já esgotara seus recursos
para lidar com a situação, decidiu adotar uma estratégia inusitada: chamou o
menino para uma conversa e combinaram que, se ele se comportasse durante as
aulas (o desespero era tanto que nem a aprendizagem estava em jogo, o negócio
era conseguir dar aula para os demais alunos), ganharia certa quantia, em
dinheiro, por semana.
Acordo aceito, eis que a
criatura passa as duas primeiras semanas diferente, sem aprontar, até
participando das aulas. Uma tranquilidade. Mas ao final da terceira semana, o
aluno pede que a professora aumente o valor pago.
Corta para alguns anos mais
tarde, mesma escola. Reunião pedagógica de início de ano. Professores
preocupados com o desinteresse de uma parcela considerável dos alunos. Qual
estratégia adotar? Eis que surge a sugestão de uma das professoras: na escola
em que trabalhou, anteriormente, os bons alunos, aqueles que aprendiam, que se
esforçavam, entravam em férias vinte dias antes. Os demais, que não tinham
demonstrado o “rendimento” esperado, permaneciam na escola, para “recuperar” o
que não aprenderam.
Em ambos os casos, existe a
ideia de premiar, seja pela mudança na conduta, seja pelo esforço e aprendizagem
demonstrados. O prêmio pode vir em forma de dinheiro ou de férias antecipadas.
Duas questões complicadas estão envolvidas nessa ideia de premiar alunos.
Primeiramente, o que é um
bom aluno? Aquele que aprende? Que não demonstra dificuldades? Que obtém as
melhores notas? Que se comporta de forma adequada? Se o bom aluno é aquele que
aprende e se esforça, devemos concluir, então, que existe o mau aluno, aquele que
vai aos trancos e barrancos, mesmo que seja em virtude de distúrbios ou
deficiências? Vamos dizer que autistas e disléxicos são maus alunos agora, e
responsabilizá-los pela não aprendizagem, eximindo o professor e a escola do
seu papel?
O outro ponto é aquele que
coloca a aprendizagem ou o estudo como algo chato, enfadonho, difícil, uma obrigação-
nesse contexto, entendemos que é necessário premiar o aluno de alguma forma,
dar um incentivo para que estude. O conhecimento deixa de ser um prazer para se
tornar algo obrigatório- o qual só faz sentido se existe uma recompensa. Tenho
lutado contra essa ideia no que diz respeito à atitude de alguns pais- se fizer
o tema, pode usar o celular. Se passar de ano, ganha a bicicleta.
E eis que o governo federal, através do MEC, lança a ideia de premiar, em dinheiro, os melhores alunos e atletas de escolas públicas. Enfim, a meritocracia. E o aluno que não é bom em matemática e ciências, reprovando em tais disciplinas, mas tem um talento excepcional para desenhar, como fica? E os alunos com dificuldades de aprendizagem ou deficiências, como serão premiados? Serão considerados maus alunos, por mais que se esforcem e superem diariamente suas limitações? Discutir os modelos de ensino das escolas, metodologias, recursos, capacitação de professores, projetos inovadores- não se fala nisso.
O discurso meritocrático está, enfim, tornando-se política pública.