quarta-feira, 19 de julho de 2023

Metas e fruição: refletindo sobre o papel da leitura em nós

 


Estou lendo "Poesia Reunida", de Sylvia Plath, recém lançado no Brasil, de forma parcimoniosa, lentamente, para que dure mais. Leio, releio, paro, deixo as horas e os dias passarem, retomo. O significado de um título finalmente ganha corpo. As metáforas se aprofundam em minha compreensão. Pesquiso palavras novas, busco conexões. Não quero que o livro acabe.

A leitura, em minha experiência, sempre se deu dentro de uma dimensão afetiva. Tenho uma relação de amor com a palavra, por isso me parecem totalmente descabidas as metas de leitura. Há aplicativos para isso, você estabelece um determinado número de livros para ler mensal ou anualmente, e terá grande satisfação em compartilhar nas redes sociais o sucesso ao cumprir ou superar tais metas. Dentro do contexto educativo, temos plataformas que contabilizam quantos livros e o total de horas que os estudantes acumulam, além de premiações para os que alcançam os maiores números. 

Não posso deixar de considerar que o estabelecimento de metas e de premiações baseadas na quantidade de livros que se lê, e não na qualidade ou no envolvimento com a leitura, desconsidera totalmente dois aspectos primordiais na criação do hábito de ler.

O primeiro deles é a fruição, é ter prazer com o ato em si. O que se torna praticamente impossível quando estamos focados em terminar logo um livro para "engrossar o score". O mesmo ocorre quando não gostamos do assunto tratado em determinada obra. Ou do estilo do autor, ou ainda, do gênero textual. Leitura imposta, quase sempre, mais repele do que conquista. É só recordar daquela listagem de obras de literatura nacional, da leitura obrigatória durante o Ensino Médio, invariavelmente seguida de um fatídico registro ou resumo. Muitos não-leitores se formaram aí. 

O segundo aspecto primordial para gostar de ler é a subjetividade. Ninguém lê o mesmo livro de maneira igual; cada um constrói significados para o texto, de acordo com a sua experiência. É por isso que a escolha é importante: não há diálogo com aquilo que você detesta, ou com assuntos completamente desinteressantes. Se você gosta de praticar exercícios físicos, é mais provável que aprecie um livro que fale sobre os benefícios do esporte para a saúde, e que não tenha curiosidade por outro que trate de astronomia, por exemplo. Algumas pessoas amam ler poesia, outras preferem quadrinhos. A leitura só vai ser um prazer quando fizer sentido para o leitor, e quando ele perceber que consegue dialogar, internamente, com as palavras no papel ou tela. 

Quando a leitura nos dá prazer, lemos o mesmo livro muitas e muitas vezes, porque aí temos a união da fruição com a subjetividade: a sensação é tão gostosa, que queremos repeti-la. E, neste movimento, a história aparece diferente a cada releitura, detalhes dos personagens, antes não percebidos, afloram. Novas compreensões se estabelecem.

No contexto escolar, quando se privilegiam metas de leitura baseadas em quantidade de livros lidos, a subjetividade e a fruição ficam em segundo plano. É ainda pior quando se adicionam premiações para os "mais leitores", visto que a competitividade inserida desvirtua todo o processo, em detrimento do prazer de ler.

Além disso, estimular ou adotar metas de leitura baseadas em quantidade é um enorme desrespeito com autores, ilustradores e outros profissionais envolvidos na criação literária. Acredito que nenhum escritor gosta de trabalhar por anos e depois ver a sua obra se reduzir a um pontinho em rankings de leitura. 

Enfim, livro é pra ser lido, compreendido, relido, degustado, aproveitado; ele precisa dialogar com a nossa existência e nos tocar em nossa essência. A leitura de verdade depende do vínculo, da dimensão afetiva; não pode ser solapada pelos rankings e metas. Só assim a leitura chega, se acomoda e permanece. Desnecessário contar quantos livros você leu durante o ano, mas sim quantos livros foram capazes de ler você.



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