quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O menino que aprendeu a ler

            Em pleno inverno, no rigoroso frio de quatro graus centígrados, meu aluno Daniel veste uma simples regatinha que deixa seus bracinhos mirrados de fora. Questiono se não está sentindo frio, ao que ele prontamente responde: não sinto frio, professora.
         Daniel é um guerreiro. Chegou a turma do segundo ano sem saber ler nem escrever. Mas nunca intimidou-se por isso: segurava seu toquinho de lápis e ia em frente. Os colegas tudo sabiam, ele patinava para acompanhar.
         Filho de mãe analfabeta, não tinha quem lesse os bilhetes e avisos mandados pela escola para sua casa. Jornais, livros ou gibis eram coisas inexistentes em seu lar. Enquanto os colegas traziam bolachas, refrigerantes e doces para merendar, ele contentava-se com o lanche oferecido pelo colégio. 
      Mas, apesar de todas as incertezas e medos que rondavam meus pensamentos ao pensar na alfabetização de Daniel, um dia, ao avistar um anúncio afixado na sala de aula, ele leu: "Bazar da So - so- solida o quê fessora?" 
          Eu, incrédula, olhei para o menino e completei :"solidariedade". Sim, ele estava lendo. Rapidamente, catei um livro e pedi que ele sentasse ao meu lado. Gaguejando, com dificuldade, ele leu todo o livro. E o melhor,  divertiu-se ao fazê-lo. Pediu  se poderia levar a história e ler mais em casa.
        É óbvio que, nesse dia, voltei para casa com a sensação de que meu peito estava cheio.Não de orgulho, mas de felicidade. Felicidade porque tinha certeza de que havia descortinado para meu aluninho tão humilde um novo mundo, diferente daquele que ele conhecia. 
          O menino segue me surpreendendo. Depois de alguns meses, progrediu consideravelmente na escrita. Numa determinada aula, ao realizar as atividades no caderno, encostou em mim e senti aquele cheirinho de fumaça da sua roupa, misturado ao odor de suor. Coloquei um enorme elogio com letras garrafais no seu trabalho. Daniel questionou o que eu havia escrito. Eu disse: "leia". Ao perceber o que a mensagem dizia, ele declarou: "vou mostrar para minha mãe".
          Não posso deixar de pensar que, se um dia porventura algum governante desse nosso enorme país tiver a oportunidade de presenciar um momento como este, em que você percebe claramente a importância do professor na vida de um aluno, nós, educadores, não precisaremos mais lutar por salário e valorização profissional. Porque o que uma criança aprende, o conhecimento que ela constrói, ninguém pode tirar. E o professor é presença fundamental e indispensável nesse processo.

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