Tinha um barquinho no
meio do oceano
No meio do oceano
tinha um barquinho
Tomei
a liberdade de adaptar os célebres versos do grande poeta Drummond aos
acontecimentos que presencio ultimamente. Explico: eu, uma mera professorinha
do interior do Estado, sou o barquinho. O oceano é a imensa, complexa e, por
vezes, confusa educação brasileira. E o motivo que me faz refletir sobre tudo
isso chama-se Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa.
Recentemente
o Governo Federal lançou o referido programa tendo como objetivo a
alfabetização, até o 3º ano do Ensino Fundamental, de todos os alunos das
escolas públicas brasileiras. Ou seja, um acordo visando alfabetizar plenamente
as crianças tendo como limite máximo a idade de oito anos.
Confesso
que tal mobilização do governo gerou em mim uma grande esperança e também uma
enorme expectativa. Finalmente os responsáveis pelos rumos da educação no país
estavam tentando reverter uma triste realidade presente em muitos lugares do
Brasil: a situação de alunos que chegam ao 4º ano do ensino fundamental (ou até
mais longe) sem saber ler nem escrever.
Dessa
forma, fomos nós, educadores, recrutados e apresentados ao tão esperado Pacto.
Após cinco encontros, comecei a sentir-me um tanto frustrada. Meu anseio era o
de que discutíssemos sobre a problemática que deu origem a medida do governo,
ou seja, por que motivo ou motivos os alunos não estão aprendendo. Mas, até
agora, as reuniões resumiram-se a dois aspectos. Um deles diz respeito às
teorias do conhecimento e metodologias de ensino, que são repassadas de forma
muito rápida e superficial. Sabemos o quanto é importante a teoria e que ela
serve de suporte para o trabalho diário em sala de aula. Porém, as noções
básicas sobre alfabetização, letramento e ensino-aprendizagem em geral a grande
maioria dos professores já domina. Portanto, penso que essas revisões de
referenciais de autores muito importantes, da forma como estão ocorrendo,
constituem uma perda de tempo.
Em
outros momentos do referido Pacto os educadores são incentivados a trocar
experiências, relatando técnicas e atividades que costumam aplicar. Novamente,
sabemos que a socialização de ideias é importante, constituindo um recurso para
enriquecer nossas aulas. No entanto, essa troca já acontece em outras reuniões
de formação, nos municípios e escolas, no diálogo que temos como colegas, sem
falar na internet. Sim, é possível acessar a rede mundial de computadores e
através dela descobrir uma infinidade de atividades, técnicas e metodologias de
trabalho, sem sair de casa! Acredito ser totalmente desnecessário deslocar
milhares de professores em todo país para que se reúnam e troquem experiências,
pois isso já está sendo feito!
Penso
que é necessário questionarmos: que perfil de professor predomina nos anos
iniciais? Percebo que há aqueles prestes a aposentar-se, vindos de uma
caminhada considerável e com práticas distintas. Há os iniciantes, e também
aqueles que não têm uma formação voltada à alfabetização, ou seja, que cursaram
por exemplo, Educação Física, Geografia, etc. Partindo dessa heterogeneidade,
imagino ser imprescindível que um programa a nível federal voltado à
alfabetização esclareça com profundidade: de que forma a criança se apropria do
sistema de escrita? Como acontece o processo? Ofereço meu exemplo: cursei
Pedagogia, estudei quatro anos sobre isso, continuei lendo e pesquisando, mas,
no entanto, não estou livre das dúvidas.
O
que tento explicitar é o seguinte: sabemos que as crianças elaboram hipóteses
sobre a língua escrita e que há vários níveis de aprendizagem quando falamos em
alfabetizar. Sabemos também que, para que o aluno avance, é preciso criar
situações em que ele teste essas hipóteses. É justamente aí que o professor
precisa ter embasamento, estudo, segurança. Primeiramente, para entender em que
fase a criança está. Depois, para agrupar os alunos de níveis distintos de
forma criteriosa, momento no qual será feito o “confronto” entre as concepções
que cada um tem a respeito de como
escrever determinada palavra ( é quando eles testarão as hipóteses e poderão
superar conflitos).
É
justamente o esclarecimento dessas questões que buscava no Pacto. Como ajudar
um aluno que escreve e não lê? E aqueles que não avançam nos níveis, apesar de
todas as intervenções que fiz? Na minha concepção, está faltando a “ponte”. É o
que é a ponte? É a conexão entre teoria e prática. Já cansei de ouvir alguns colegas dizerem “de
nada adianta esse blá-blá-blá ideológico, Paulo Freire não era professor,
Emilia Ferreiro nunca deu aula, etc....”Mas não podemos simplesmente ignorar as
contribuições desses e de outros pensadores da educação, alegando que a
realidade é muito diferente e que eles pregam uma utopia. Sou uma defensora de
que a prática dissociada do embasamento teórico é vazia e frágil. Assim como
também acredito que ao ensinar, vou aprendendo com meus alunos e
ressignificando tudo o que li, reli, escutei e aprendi com os grandes
educadores. Então, precisamos sim rever nossos conceitos e o papel de
educadores num novo contexto. É urgente que nos desvencilhemos dos velhos
“trabalhinhos” (alguns já amarelados pela ação do tempo) que ainda teimamos em
repassar às crianças. Necessitamos priorizar a construção do conhecimento e não
apenas transmitir informações, pois isso não faz mais sentido no mundo em que
vivemos.
Enfim,
o barquinho aqui está tendo dificuldades em encontrar um rumo em meio ao oceano
de dúvidas da educação brasileira. Espero que o Pacto consiga sair do papel, no
qual está maravilhosamente bem estruturado, planejado e fundamentado, e venha
de encontro às experiências práticas de sala de aula, de uma forma consistente
e eficaz, para que os barquinhos consigam navegar por caminhos seguros em
direção a um ensino de mais qualidade.