segunda-feira, 23 de junho de 2014

Natureza X artificialidade



          Bons escritores nos marcam para sempre. Considero um dever moral conhecê-los, através da leitura de suas obras. Lendo “A desobediência civil”, de Henry David Thoureau, tive a convicção de estar entrando no universo de um gênio. Além de ser radicalmente contrário a escravidão, foi historiador e filósofo, já em 1849 preocupava-se com os rumos do progresso e considerava lamentável os efeitos da revolução industrial ao planeta. Sim, em pleno século XIX, era um  ecologista. Aliás, o pensamento que norteia seu livro é justamente a valorização da natureza, afirmando que a sua contemplação levava à felicidade. Ele próprio, em idade avançada, empreendia longas caminhadas diárias de três ou quatro horas mata adentro, tendo cuidado para manter-se longe de estradas (sinal da civilização), das cidades e da sociedade. Dizia que, sem isso, seus dias não tinham sentido.
           Fiquei maravilhada e espantada ao conhecer tal pensamento. O que diria Thoureau nos dias de hoje? Supondo que ele entrasse numa máquina do tempo e fosse transportado para 2014,  qual  seria sua reação diante dos exemplares da raça  humana que habitam principalmente os grandes centros urbanos? Imagino-o passeando pelos shoppings centers, redutos da maioria dos mortais em busca do frescor do ar condicionado nos momentos de lazer, um local artificial mas que oferece segurança e conforto. Ou ainda o escritor presenciando a fuga em massa das grandes capitais ao aproximar-se um feriado prolongado, homens e mulheres estressados e entediados das suas rotinas buscando um pouco de areia e água salgada (mesmo poluída), presos por horas a engarrafamentos torturantes para só então desfrutar de alguns momentos raros junto à “natureza”. Ou ainda, que diria Thoreau ao saber que, para fugir do progresso que tanto almejamos e resultou em destruição, caos, desordem e insegurança, tivemos a brilhante ideia de construir redutos de paz, tranquilidade e segurança, os condomínios fechados. Creio que o escritor chegaria a conclusão que, lá em 1849, estava totalmente certo, e que a raça humana está presa numa armadilha armada por ela mesma. Sim, pois para sentir-se seguro e livre, o homem contemporâneo necessita habitar lugares fechados, monitorados 24 horas por dia, não sem antes passar por uma guarita para entrar em casa. Ao visitar a casa de um parente num desses nobres lugares, senti a artificialidade em tudo: no lago imenso, localizado bem no centro do condomínio; no sobrado onde morava meu familiar, espremido entre duas outras construções; mas, sobretudo, no pequenino jardim que disputava espaço com o deck e uma modesta piscina, numa estreita faixa de terreno. Nada mais articial. Aliás, sobre isso, Thoreau dá um ótimo exemplo em seu livro:
“...deste pobre arremedo de Natureza e Arte que chamo de meu jardim da frente? Ele foi feito num esforço de limpar e criar uma aparência decente depois que o pedreiro e o carpinteiro terminaram seu serviço, embora essa aparência se preste muito mais aos passantes do que ao morador.”
          É, Thoureau descobriria que os homens modernos vivem em meio  a artificialidade e estão pouco ligando para a natureza, sua própria essência. Somos cada vez mais artificiais. Estudiosos e filósofos questionam se um dia as máquinas tomarão o lugar dos homens. Em grande parte, já estão tomando. Mas poderiam as máquinas se transformarem em pessoas? Não sabemos, mas é bem possível que o contrário aconteça: nós, tão preocupados em produzir, progredir, consumir, temos pouco espaço para a contemplação; realizamos as tarefas diárias de forma apressada e mecânica; dispensamos conversas olho no olho para acessar redes sociais com zilhões de “amigos” que jamais conheceremos pessoalmente. Estamos cada vez mais mecânicos, destituídos de emoções. Parecemos robôs. Estamos nos transformando em máquinas. Recente pesquisa constatou que há uma relação direta entre a publicação de imagens “selfies” e a prática sexual: quanto mais fotos o indivíduo posta nas redes sociais, menos relações sexuais ele tem. Ora, nada mais natural  e essencial aos humanos que a prática de sexo. Já o comportamento obsessivo de ficar o dia todo preocupado em tirar fotos (ensaiadas, resultantes de  muitas poses e filtros) nada tem de natural.
              Pois bem, nosso amigo Thoreau ficaria abismado, cometeria suicídio ou entraria apressadamente na sua máquina do tempo para fugir de toda essa loucura. Mas imaginemos que por um acaso ele se encontrasse com outro gênio, brasileiro, e nosso contemporâneo: Sebastião Salgado, fotógrafo incrível que dispensa apresentações. Salgado, em seu projeto Gênesis, percorreu diversos lugares do planeta em busca de imagens de lugares intocados, retratando a natureza. Um fotógrafo que contempla e registra em preto e branco tudo aquilo que Thoureau amava. Seria memorável.
          Mas toda essa história é apenas um pequeno exercício de imaginação. Viagens no tempo não são possíveis, assim como não podemos negar o progresso humano, com todas as consequências positivas e negativas. Resta-nos buscar nos livros e obras dos gênios e pessoas inspiradas um significado para toda essa loucura moderna. Como diz Thoureau: “Cada manhã era um alegre convite para que eu conferisse à minha vida a mesma simplicidade, diria até inocência, da própria Natureza”.
             E, como podemos apreciar nas belas imagens de Sebastião Salgado, também ela, a Natureza, e não a artificialidade, é o que nos comove.



quinta-feira, 19 de junho de 2014

Educação no papel



Quando o ideal e o real irão se aproximar quando falamos em educação pública brasileira?
Ao ler as revistas especializadas sobre ensino, educação e escola, principalmente a publicação Nova Escola, conhecemos relatos de práticas inovadoras e de sucesso. Mas seriam esses exemplos algo comum à realidade do Brasil como um todo?
Ao tomarmos a situação real das escolas perto de nós a realidade é outra. Os mesmos problemas de sempre, históricos, se repetem, governo após governo.  E os resultados do Brasil em testes internacionais, como o PISA, são apenas a confirmação de que a escola pública agoniza:  o país está em 55º no ranking de leitura, 58º no de Matemática e 59º no de Ciências (num total de 65 países).
Nada disso é novidade. Novidade seria caso alguém detivesse a solução mágica para tal situação preocupante.
Mas soluções mágicas não existem, sabemos. O que se pode fazer é atentar aos exemplos que dão certo. O canal Globo News exibiu esse ano uma série de documentários com o título “Educação.doc”. Neles podemos constatar que o que fez diferença e mudou de alguma forma as escolas retratadas para melhor foi um esforço conjunto: direções das escolas, professores, pais e alunos. Sim, isso já consta no planejamento das instituições, recomendações do governo e documentos oficiais. Acontece que, como invariavelmente ocorre também em outros cenários da vida pública, o que está no papel dificilmente se efetiva na prática. O diferencial dessas realidades mostradas nos referidos documentários é a vontade de mudar colocada em prática, com planejamento, organização e comprometimento de todos os envolvidos.
A educação pública precisa deixar de ser perfeita no papel, ela necessita urgentemente acontecer de verdade.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...