sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Uma pergunta dolorosa

            "Mãe, por que ninguém gosta de mim?"
           Essa foi a dolorosa pergunta que ouvi do meu filho hoje. Olhei bem no fundo daqueles imensos olhos azuis e senti um aperto no peito. Respondi com outra pergunta: "Quem não gosta de você?"
            "Na escola mãe, porque os colegas brigam comigo? Por que quando eu chego num grupo eles saem de perto e não me dão bola?"
            Sabe aquele momento em que você percebe algo que estava ali, há tanto tempo, escancarado, e tem a sensação de estar assistindo a um filme conhecido (ou recordando um pesadelo)?
          Meu primogênito é uma criança tímida, retraída, "na dele". Não se destaca no futebol, não tem celular nem acessa redes sociais, pois simplesmente essas são coisas que não o interessam. É  o típico aluno comportado, sempre elogiado pelos professores pela sua conduta. É incapaz de agredir alguém, de brigar ou discutir. Ou seja, uma criança vulnerável. No último ano tem se queixado bastante quando chega da escola: dores de cabeça, irritação, nervosismo. A cada dia que passa gosta menos da escola. Agora descubro que a turma de colegas, constituída praticamente de crianças que se conhecem e são "amigas" desde a pré-escola, está deliberadamente excluindo meu filho do convívio diário. Ele é rotulado de "nerd". Frequentemente chora ao relatar as dificuldades que passa no dia-a-dia escolar. 
            Como explicar para uma criança por que está sendo excluída, rotulada e humilhada? Como explicar algo que não tem justificativa?
           Os colegas que estão tendo essa atitude para com meu filho são de famílias bem informadas, nas quais presume-se que são repassados às crianças valores éticos e morais, como a solidariedade, a compreensão e a tolerância. Creio que alguns desses pais e mães já devem ter lido e se informado bastante sobre o bullying. Talvez alguns até tenham palestrado sobre o assunto. Gostaria de continuar acreditando nisso.
             No entanto, a situação que meu filho está vivenciando leva-me a pensar que a nossa sociedade está mesmo preocupada com seu próprio umbigo, corroída pelo consumismo, atingida por  pragas como o egocentrismo, individualismo e hedonismo que podemos perceber na avalanche de selfies diárias postadas nas redes sociais. O bullying é o berço dessa sociedade na qual aquele que é diferente, que não se encaixa, não está na moda, não fala a mesma língua, é execrado e banido. Não é apenas uma "onda" ou "modismo".  É algo extremamente cruel e real, que revela os monstrinhos que temos escondidos em nossos subconscientes. Monstrinhos da intolerância, da indiferença, da maldade. E que se revelam cada vez mais cedo.
             Infelizmente, grande parte dos pais só se dão conta do problema quando seus filhos estão do lado mais fraco. Dói na alma e dói na carne. Dói tanto que há casos de vítimas que  não suportam e tiram a própria vida. 
          Será que ainda ensinam na escola que os seres humanos são os únicos animais dotados de racionalidade?
            Se for o caso, está na hora de revermos esse conceito. Porque bullying não é algo racional. Não existe resposta racional para a dolorosa pergunta que ouvi hoje.

domingo, 17 de agosto de 2014

Entre a ilusão e a realidade




        Para uma criança de seis anos com pretensões artísticas uma simples encenação na escola torna-se um acontecimento. Ana queria ser atriz, portanto, no momento em que a professora escolhia a protagonista do teatro de final de ano, decidiu que, se não fosse ela a escolhida, o mundo acabaria. Devido à sua desinibição e ao fato que, sendo irmã e sobrinha de professoras da escola, atazanaria tanto a pobre mestra, caso outra coleguinha assumisse o papel, foi a indicada. A peça consistia na seguinte história: um pássaro, preso numa gaiola, muito triste; uma fada, que com sua varinha mágica, libertaria o animalzinho. E lá se foi a menina, Ana, ensaiando, dia após dia, sua fala, seus gestos, sua postura, a forma como manusearia a varinha e libertaria a ave, que sairia voando em busca de novos rumos. Em sua ilusão, arrasaria. Seria uma atuação incrível, mesmo durando menos de dois minutos.
       No tão esperado dia, a menina não cabia em si de tanta expectativa: vestido rosa, varinha "mágica" em punho, cabelo arrumado, maquiagem. Uma multidão (em sua visão de criança) assistia à apresentação. Mas, no momento exato, a professora resolve narrar a história, enquanto Ana faz toda a cena. Não houve “deixa”, pausa ou oportunidade para que a pequena aspirante à atriz pronunciasse sua fala exaustivamente treinada. E, mesmo que houvesse, ela nada diria. A presença de tantas pessoas ao seu redor a fez corar de vergonha. Sentiu até alívio quando a professora começou a falar ao microfone e não precisou abrir a boca. Todos os presentes compreenderam a pequena encenação. Ana, no entanto, descobriu que entre a ilusão e a realidade há uma diferença muito, muito grande. E sentiu um vazio imenso ao perceber que passara os últimos dias na expectativa pela ilusão. De ser especial, atuar, estar no centro das atenções. De ser protagonista. Então percebeu que o grande protagonista da cena que participara não era ela, mas sim o pássaro liberto. Esse poderia dali em diante ser protagonista da própria história. Seja na realidade ou na ilusão disso que chamamos de vida.
       Passados alguns anos, Ana desistiu de ser atriz. Não porque não tivesse talento. Não tinha mais coragem para lidar com algo tão complexo. E também porque sentiu, naquele dia, na escola, quando sua ilusão de ser especial foi diluída pelo choque da vergonha e da realidade, um vazio enorme. Talvez o mesmo vazio que um ator premiado, famoso e reconhecido tenha sentido antes de terminar com sua própria vida. Robin Willians teria deixado escrito em seu diário, pouco antes de cometer suicídio: “Oh, qual é o sentido disso tudo?”
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...