Para uma criança de seis anos com
pretensões artísticas uma simples encenação na escola torna-se um
acontecimento. Ana queria ser atriz, portanto, no momento em que a professora
escolhia a protagonista do teatro de final de ano, decidiu que, se não fosse ela
a escolhida, o mundo acabaria. Devido à sua desinibição e ao fato que, sendo
irmã e sobrinha de professoras da escola, atazanaria tanto a pobre mestra, caso
outra coleguinha assumisse o papel, foi a indicada. A peça consistia na
seguinte história: um pássaro, preso numa gaiola, muito triste; uma fada, que
com sua varinha mágica, libertaria o animalzinho. E lá se foi a menina, Ana,
ensaiando, dia após dia, sua fala, seus gestos, sua postura, a forma como
manusearia a varinha e libertaria a ave, que sairia voando em busca de novos
rumos. Em sua ilusão, arrasaria. Seria uma atuação incrível, mesmo durando
menos de dois minutos.
No tão esperado dia, a menina
não cabia em si de tanta expectativa: vestido rosa, varinha "mágica" em punho, cabelo
arrumado, maquiagem. Uma multidão (em sua visão de criança) assistia à
apresentação. Mas, no momento exato, a professora resolve narrar a história,
enquanto Ana faz toda a cena. Não houve “deixa”, pausa ou oportunidade para que
a pequena aspirante à atriz pronunciasse sua fala exaustivamente treinada. E,
mesmo que houvesse, ela nada diria. A presença de tantas pessoas ao seu redor a
fez corar de vergonha. Sentiu até alívio quando a professora começou a falar ao
microfone e não precisou abrir a boca. Todos os presentes compreenderam a
pequena encenação. Ana, no entanto, descobriu que entre a ilusão e a realidade
há uma diferença muito, muito grande. E sentiu um vazio imenso ao perceber que
passara os últimos dias na expectativa pela ilusão. De ser especial, atuar,
estar no centro das atenções. De ser protagonista. Então percebeu que o grande
protagonista da cena que participara não era ela, mas sim o pássaro liberto.
Esse poderia dali em diante ser protagonista da própria história. Seja na
realidade ou na ilusão disso que chamamos de vida.
Passados alguns anos, Ana desistiu de
ser atriz. Não porque não tivesse talento. Não tinha mais coragem para lidar
com algo tão complexo. E também porque sentiu, naquele dia, na escola, quando
sua ilusão de ser especial foi diluída pelo choque da vergonha e da realidade, um
vazio enorme. Talvez o mesmo vazio que um ator premiado, famoso e reconhecido
tenha sentido antes de terminar com sua própria vida. Robin Willians teria
deixado escrito em seu diário, pouco antes de cometer suicídio: “Oh, qual é o
sentido disso tudo?”
Nenhum comentário:
Postar um comentário