domingo, 17 de agosto de 2014

Entre a ilusão e a realidade




        Para uma criança de seis anos com pretensões artísticas uma simples encenação na escola torna-se um acontecimento. Ana queria ser atriz, portanto, no momento em que a professora escolhia a protagonista do teatro de final de ano, decidiu que, se não fosse ela a escolhida, o mundo acabaria. Devido à sua desinibição e ao fato que, sendo irmã e sobrinha de professoras da escola, atazanaria tanto a pobre mestra, caso outra coleguinha assumisse o papel, foi a indicada. A peça consistia na seguinte história: um pássaro, preso numa gaiola, muito triste; uma fada, que com sua varinha mágica, libertaria o animalzinho. E lá se foi a menina, Ana, ensaiando, dia após dia, sua fala, seus gestos, sua postura, a forma como manusearia a varinha e libertaria a ave, que sairia voando em busca de novos rumos. Em sua ilusão, arrasaria. Seria uma atuação incrível, mesmo durando menos de dois minutos.
       No tão esperado dia, a menina não cabia em si de tanta expectativa: vestido rosa, varinha "mágica" em punho, cabelo arrumado, maquiagem. Uma multidão (em sua visão de criança) assistia à apresentação. Mas, no momento exato, a professora resolve narrar a história, enquanto Ana faz toda a cena. Não houve “deixa”, pausa ou oportunidade para que a pequena aspirante à atriz pronunciasse sua fala exaustivamente treinada. E, mesmo que houvesse, ela nada diria. A presença de tantas pessoas ao seu redor a fez corar de vergonha. Sentiu até alívio quando a professora começou a falar ao microfone e não precisou abrir a boca. Todos os presentes compreenderam a pequena encenação. Ana, no entanto, descobriu que entre a ilusão e a realidade há uma diferença muito, muito grande. E sentiu um vazio imenso ao perceber que passara os últimos dias na expectativa pela ilusão. De ser especial, atuar, estar no centro das atenções. De ser protagonista. Então percebeu que o grande protagonista da cena que participara não era ela, mas sim o pássaro liberto. Esse poderia dali em diante ser protagonista da própria história. Seja na realidade ou na ilusão disso que chamamos de vida.
       Passados alguns anos, Ana desistiu de ser atriz. Não porque não tivesse talento. Não tinha mais coragem para lidar com algo tão complexo. E também porque sentiu, naquele dia, na escola, quando sua ilusão de ser especial foi diluída pelo choque da vergonha e da realidade, um vazio enorme. Talvez o mesmo vazio que um ator premiado, famoso e reconhecido tenha sentido antes de terminar com sua própria vida. Robin Willians teria deixado escrito em seu diário, pouco antes de cometer suicídio: “Oh, qual é o sentido disso tudo?”

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