É fato que não vivemos sem a tecnologia. Para o bem e para o
mal, computadores, internet, tablets e smarphones vieram para ficar. Desde o
bebezinho que não completou um ano de idade até vovós de mais de setenta, todo
mundo está conectado. Dificilmente você sai de casa e deixa o celular. Caso o esqueça,
é desespero na certa. Em mesas de restaurantes, no metrô, na rua, na cama: a
pequena tela parece hipnotizar o ser humano.
Mas sempre há exceções. Meu filho mais velho, por exemplo. O
guri tem onze anos e não tem celular. Quando falo isso pra alguém, me olham
igual olhavam quando dizia que eu não tinha whatsapp (que, aliás, comecei a
usar primeiramente para evitar esse tipo de reação e depois aderi pela
praticidade). Num mundo no qual os pais precisam brigar para que os filhos
larguem o celular, eu tento convencer o meu a ter um. Por uma questão prática:
comunicação mãe e filho. E também porque imagino que o fato de não ter um
celular o torne diferente demais dos colegas. Ser diferente pode ser legal, mas
ser muito diferente pode ser um problema.
Acontece que nenhum argumento convence a criatura a utilizar
o aparelho. Jogar? Prefere a tela maior do computador e do notebook. Redes
sociais? Não tem nenhum interesse nelas. Falar com a mamãe ou os colegas? Desde
muito pequeno ele tem pavor de falar ao telefone. Ora, talvez o argumento mais
forte: “todo mundo tem um celular, meu filho”. “Mas eu não quero e não preciso,
mãe”. Lição aprendida, e que eu já deveria saber: não precisamos ter algo só
porque todo mundo tem. Não precisamos fazer algo, só porque todos fazem.
Mas não foi apenas isso que aprendi com meu filho nesses
últimos tempos. Nas férias, passamos cinco dias na praia. Certa noite
resolvemos ir a uma pizzaria gourmet. Sim, porque não basta apenas comer um bom
pedaço de pizza, com bastante queijo e recheio e uma massa crocante. Agora tudo
tem que ser gourmet. Chovia torrencialmente, como choveu na maior parte de
nossa estada na praia (o que não me impediu de fotografar os raros momentos de
trégua do aguaceiro em que íamos até a
beira do mar, para então postar no facebook e participar do movimento “minhas
férias maravilhosas e minha vida perfeita”, embora tenhamos passado boa parte
dos cinco dias trancados no quarto da pousada dormindo ou assistindo TV) e
depois de encontrarmos uma vaga para estacionar, corremos até a recepção da tal
pizzaria, e ao lado, num cantinho escondido e parcialmente livre da chuva,
estava o mendigo. Foi tão rápido que não consegui ver detalhes, nem o rosto
dele, mas ele estava lá.
Pois bem. Entramos,
fizemos nosso pedido e meu filho, o mesmo do celular, demonstrava um
desconforto. Perguntei o que acontecia e ele falou sobre o homem lá fora,
deitado. Aí falei que era um mendigo. Mas a mente dele estava há alguns minutos
já trabalhando, imaginando: onde ele mora, o que ele faz, ele tem algo pra
comer? Começou a chorar. Tentamos explicar a situação, eu, do alto do meu
humanismo e engajamento, sempre escrevendo sobre as desigualdades sociais,
tentando fazer com que meu filho não se preocupasse com aquele homem. Afinal,
estávamos de férias e iríamos experimentar a famosa pizza vegetariana de
alcachofra gourmet. Até que o menino sai com essa:
- Mãe, vocês estão vendo um mendigo, eu vejo uma pessoa.
Segunda lição: mãe, você vê um mendigo e acha normal que ele
exista e viva assim. Eu vejo uma pessoa que passa frio, fome e não tem casa
para morar. E isso não deveria ser visto pelos adultos como algo normal.
Bem, depois dessas duas lições, sobra um alento: se meu filho
pensa e age assim, em algum momento, como mãe, eu devo ter feito algo certo...