Dentre tantas polêmicas surgidas no início do governo Bolsonaro, talvez a maior tenha sido -até agora- a fala da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, sobre cores de roupas adequadas a meninos e meninas. Resultado: uma avalanche de postagens contestando e evidenciando o ridículo da fala dessa senhora, que não demorou para vir a público e dizer que era apenas uma metáfora. Os apoiadores do presidente reforçaram a ideia, postando textos como esse:
Ou seja, a ministra
usou uma metáfora, e burro quem não entendeu. Deveria estar na aula de
doutrinação marxista e fugindo da boa e velha aula de interpretação de texto.
Não é bem assim.
Ao afirmar que menino
usa azul e menina usa rosa, Damares teve duas intenções: a primeira, mandar um
recado para a comunidade LGBTQ+, anunciando a “nova era”. Um novo tempo em que
o que se almeja são famílias “bem estruturadas”, leia-se, papai, mamãe e
filhos, pessoas de bem, exemplos da moralidade e do ideal cristão. Nesse modelo
não cabem pessoas que não se adaptam aos seus corpos, que expressam desejos
pelo mesmo sexo (ou por mais de um). Pessoas com algo “fora do lugar”, dos
padrões, do esperado. Gays, lésbicas, travestis, trans... Recado dado a eles:
agora será assim. Ou vocês se adaptam, ou, como disse o presidente eleito na
época da campanha, desaparecem.
A segunda intenção
foi justamente deixar clara a nova ordem para outra parcela da população, provavelmente para a esquerda, e não apenas
para os LGBTQ+. Talvez para os professores, visto que no discurso da ministra,
são esses profissionais os alvos preferidos para ataques repletos de mentiras e
afirmações absurdas.
Mas voltemos à
interpretação de texto. A reação a essa fala da ministra foi enorme, justamente
porque a maioria das pessoas compreendeu o que ali estava implícito. As pessoas
interpretaram, sim. Porque se fosse apenas uma afirmação sobre cores de roupas,
não geraria tanta polêmica.
Aliás, quem necessita
de aulas de leitura e interpretação de texto é a própria Damares. Em um vídeo do
YouTube, a ministra passa vários minutos pregando sobre o “absurdo” de livros
infantis trazerem temas da cultura afro e histórias de bruxas. Ela não
distingue realidade de ficção. Sugiro que Damares frequente as escolas que
costuma atacar, para ter aulas com os meus colegas professores de Língua
Portuguesa. Além de conseguir compreender melhor o que lê, de quebra ela
conheceria a realidade das escolas brasileiras, que é muito diferente daquilo
que ela pensa. Escolas que enfrentam problemas enormes, estruturais,
pedagógicos, administrativos, financeiros... Mas nas quais inexiste ideologia
de gênero ou kit gay (invenção dela, que cabecinha!), doutrinação marxista,
onde professores não ensinam crianças de seis a fazerem sexo...
Onde os professores
tentam alfabetizar crianças que são provenientes das mais diferentes configurações
familiares, muitas vezes sem material escolar, com fome, com roupas velhas e puídas, herdadas dos irmãos mais velhos. Para essas crianças e esses
professores, o que menos importa é a cor da roupa. O que importa é chegar ao
final do ano conseguindo algum aprendizado. Talvez, um progresso na leitura e
interpretação de texto.
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