Sou professora
de escola pública. Consigo identificar, numa turma de vinte crianças, aquelas
que terão grandes dificuldades de sobrevivência no futuro. Os que estão em
situação de vulnerabilidade social, que não contam com o apoio da família e
para os quais a sociedade fecha os olhos. Também sou mãe e costumo conversar
com meus dois filhos adolescentes a respeito dessa desigualdade tremenda que se
reflete em minha sala de aula, ano após ano.
Meus filhos
são privilegiados: estudam em escola particular, andam de carro pra lá e pra
cá, vestem roupas quentinhas e confortáveis no inverno, desfrutam de ar
condicionado no verão, dormem numa cama aconchegante, comem o que escolhem
comer, nunca passaram fome. Não precisam se preocupar com vagas na
universidade, pois sabem que teremos condições de pagar as mensalidades e de
bancar seus estudos fora de casa. Eles conhecem a história dos pais e avós, o
esforço e trabalho que tivemos para ter um nível de vida confortável, que não
foi fácil, que tudo depende de muito esforço. Mas também sabem que muitas
pessoas se esforçam e trabalham a vida toda e não conseguem oferecer o mesmo
aos seus filhos. Faço questão de que eles tenham consciência que nem todas as
crianças possuem o que eles têm. Que, enquanto são atendidos prontamente por um
médico particular em caso de urgência, outras crianças precisam esperar horas,
dias, até meses pelo atendimento adequado. Eles sabem que receberam vacinas
importantes, desde bebês, que não constam no calendário oficial de vacinação
gratuita do governo, que aumentaram sua imunidade e os livraram de muitos
males. São cientes de que ganham uns trocados para ajudar o pai na criação de pássaros,
numa espécie de mesada, mas que envolve o trabalho deles, como forma de ter uma
responsabilidade extra e também colaborar com a família. Mas têm discernimento
que isso nada tem a ver com o trabalho infantil de milhares de crianças pelo
Brasil afora, em situação de exploração e de afastamento dos estudos.
Meus filhos
sabem que vivem num país desigual. E que isso não é aceitável. Que uma outra
realidade é possível. Espero que evitem o discurso meritocrático, que nega a
desigualdade no ponto de partida, dizendo que todos têm as mesmas chances de
sucesso, quando sabemos que isso não é verdade. O que espero, no futuro, é que
essa consciência que tento formar neles os torne adultos humanos, que saibam ver
o outro com empatia e que tentem, de alguma forma, contribuir com a sociedade
para melhorá-la, retribuindo todo o privilégio que receberam desde o
nascimento.