quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Arte e fundamentalismo religioso




  O especial de Natal do Porta dos Fundos, exibido na Netflix, está provocando revolta entre os evangélicos, que mobilizam as redes sociais e organizam um abaixo-assinado para retirar a obra de humor do catálogo de streaming. Segundo os evangélicos, o filme desrespeita a figura de Jesus e passagens bíblicas.




   Eu sou católica e assisti ao especial. Dei boas risadas e considerei bem ousado, como é a marca do Porta. Não senti minha fé ameaçada e nem penso que a figura de Jesus foi atacada ou desmoralizada. Afinal, é apenas um filme de humor. É ficção, não realidade. No entanto, aqueles que defendem existir uma tal “cristofobia” no Brasil se utilizam desse tipo de produção cultural para disseminar suas ideias fundamentalistas.
  Para os defensores da “cristofobia”, há uma caçada aos cristãos em curso, no Brasil e no mundo. Como se a sua tia que vai à missa toda a tarde fosse atacada por manifestantes que roubam seu terço ou sua avó por militantes que invadem o culto impedindo o pastor de orar. Apesar de nunca ter lido uma notícia sequer a respeito de tais fatos, outros episódios são recorrentes nas páginas dos jornais: os ataques aos terreiros de umbanda ou de religiões de matriz africana. Segundo dados oficiais, entre 2011 e 2017, as denúncias de discriminação por motivo religioso no Brasil cresceram, sendo que 60% dos casos referem-se a religiões de matriz africana. Terreiros são invadidos, profanados e queimados. Seus adeptos são perseguidos. Isso sim é perseguição e intolerância. Por outro lado, episódios como o “chute na santa”, protagonizado pelo bispo Sérgio Von Helder, da Igreja Universal do Reino de Deus, em 1995, transmitido pela TV durante um culto, é um exemplo de agressão à fé cristã e desrespeito aos símbolos religiosos. Qual a diferença entre chutar uma imagem e retratar Jesus como gay ou alcoólatra? O contexto. No caso do filme, novamente, é uma obra de ficção, é humor, não é a realidade. Bem diferente de um pastor incitar a violência a outra religião durante um culto.

 A arte existe para transgredir e fazer pensar. Inclusive sobre dogmas e tradições. Em 2017, a exposição “Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira”, do Santander Cultural, foi cancelada devido a críticas de movimentos religiosos. Trazendo obras que se utilizavam de figuras religiosas, inclusive Cristo, podemos até questionar o valor estético das mesmas e considerá-las de mau gosto. E não frequentar tal exposição. O mesmo acontece no caso do filme do Porta dos Fundos- se você considera ofensivo e ruim, não assista. Mas proibir, censurar, abre portas para algo muito perigoso- o fundamentalismo religioso.






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