O especial de Natal do Porta dos Fundos,
exibido na Netflix, está provocando revolta entre os evangélicos, que mobilizam
as redes sociais e organizam um abaixo-assinado para retirar a obra de humor
do catálogo de streaming. Segundo os evangélicos, o filme desrespeita a figura
de Jesus e passagens bíblicas.
Eu sou católica e assisti ao especial.
Dei boas risadas e considerei bem ousado, como é a marca do Porta. Não senti
minha fé ameaçada e nem penso que a figura de Jesus foi atacada ou
desmoralizada. Afinal, é apenas um filme de humor. É ficção, não realidade. No
entanto, aqueles que defendem existir uma tal “cristofobia” no Brasil se utilizam
desse tipo de produção cultural para disseminar suas ideias fundamentalistas.
Para os defensores da “cristofobia”, há
uma caçada aos cristãos em curso, no Brasil e no mundo. Como se a sua tia que
vai à missa toda a tarde fosse atacada por manifestantes que roubam seu terço
ou sua avó por militantes que invadem o culto impedindo o pastor de orar.
Apesar de nunca ter lido uma notícia sequer a respeito de tais fatos, outros
episódios são recorrentes nas páginas dos jornais: os ataques aos terreiros de
umbanda ou de religiões de matriz africana. Segundo dados oficiais, entre 2011
e 2017, as denúncias de discriminação por motivo religioso no Brasil cresceram,
sendo que 60% dos casos referem-se a religiões de matriz africana. Terreiros
são invadidos, profanados e queimados. Seus adeptos são perseguidos. Isso sim é
perseguição e intolerância. Por outro lado, episódios como o “chute na santa”,
protagonizado pelo bispo Sérgio Von Helder, da Igreja Universal do Reino de
Deus, em 1995, transmitido pela TV durante um culto, é um exemplo de agressão à
fé cristã e desrespeito aos símbolos religiosos. Qual a diferença entre chutar
uma imagem e retratar Jesus como gay ou alcoólatra? O contexto. No caso do
filme, novamente, é uma obra de ficção, é humor, não é a realidade. Bem
diferente de um pastor incitar a violência a outra religião durante um culto.
A arte existe para transgredir e fazer
pensar. Inclusive sobre dogmas e tradições. Em 2017, a exposição “Queermuseu – cartografias da diferença na arte
brasileira”, do Santander Cultural, foi cancelada devido a críticas de
movimentos religiosos. Trazendo obras que se utilizavam de figuras religiosas,
inclusive Cristo, podemos até questionar o valor estético das mesmas e considerá-las
de mau gosto. E não frequentar tal exposição. O mesmo acontece no caso do filme
do Porta dos Fundos- se você considera ofensivo e ruim, não assista. Mas
proibir, censurar, abre portas para algo muito perigoso- o fundamentalismo
religioso.
Excelente reflexão.
ResponderExcluirEu ainda gostaria de refletir sobre quem são, ou melhor, qual o perfil dessas pessoas que acham um desrespeito à religiosidade o filme do Porta e que não veem da mesma forma o ataque aos símbolos religiosos ou às crenças africanas.