A reportagem do jornal local conta a história do professor que se “reinventou”
durante a pandemia, dando aulas de Educação Física de uma forma inusitada e
inovadora, utilizando um aplicativo de edição de vídeo e encarnando diversos
personagens do universo infantil, como o palhaço que ensina a virar
cambalhotas.
Tornou-se constante esse tipo de notícia desde que, professores e
alunos, confinados e afastados devido à pandemia, precisaram alterar suas rotinas,
mas manter as aulas de forma remota. É uma tal de reinvenção e inovação sem
limites, apesar do grande contingente de crianças e adolescentes sem acesso à
internet e a dispositivos adequados para acompanhar as atividades propostas.
Surge a história da professora que disponibiliza aulas impressas em um
varal em frente a sua casa, com direito a lápis de cor e outros materiais,
bancados pelo salário modesto. Ou a educadora que, arriscando a própria saúde,
vai de casa em casa levando as atividades para os alunos que não conseguiram
acessar as aulas on line. Heróis, propala a mídia e compartilham os crentes na "educação por amor".
Mas inovar não basta: é preciso estar disposto a encarnar um papel que pode ser invasivo e desconfortável. Somos apresentados ao conceito de aulas síncronas, que são aquelas que acontecem em tempo real, para possibilitar a interação dos alunos. Nesse caso, o professor pode, muitas vezes, ser o palhaço sem figurino:enquanto se esforça para explicar o conteúdo de forma acessível, os alunos estão ligados em outra "janela", assistindo a algum vídeo, curtindo uma música ou jogando. Tenho ouvido relatos de colegas que, sem o hábito de gravar vídeos e ver a própria imagem, sentem-se profundamente invadidos e desconfortáveis diante da nova exigência.
No entanto... A educação não é sacerdócio. Para ser um bom professor,
não basta amar o que faz. Isso é o que o discurso de coach quer fazer com a
profissão: trabalhe enquanto eles dormem, estude enquanto eles descansam, atualize-se
enquanto eles se divertem. Se você realmente tem o dom de ensinar, vai superar
todas as dificuldades e fazer com que todos aprendam-mesmo remotamente!
E dá-lhe aplausos para o educador. Porém, vocês batem palmas para
o professor na sexta à noite, e no sábado pela manhã ele precisa preparar uma
nova aula. E editar um vídeo. E responder aos questionamentos dos pais no
grupo. E preencher a planilha com porcentagens de alunos que participam ou não
das aulas, de quais delas, e com que frequência. Quase sempre, esse mesmo
professor necessita fazer uma mágica contábil no mês, para
pagar as contas, visto que seu salário está atrasado ou parcelado. Inclusive,
para bancar a internet que utiliza ao dar aulas na plataforma on line.
Palmas são comoventes e
bem-vindas, mas isso não é valorização do professor. Valorização é pagar um
salário decente em dia. É dar condições mínimas para um trabalho eficiente. É
proporcionar formação continuada que realmente capacite os profissionais para os
desafios constantes.
Estamos aprendendo com a
pandemia, sim. Novas tecnologias, aulas remotas, aplicativos, edição de vídeo.
No entanto, por mais que o professor se esforce e supere limitações, ele não dá
conta das desigualdades sociais que se refletem na estrutura da escola pública.
Cinco alunos meus acessam aulas on line. Destes, apenas um dispõe de computador
para realizar as atividades. Tentei realizar algumas atividades que elaborei, no
celular. É muito ruim. Não é o ideal. E não há aplicativo de edição de vídeo ou
peruca de palhaço que modifique isso.