quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

A humanidade será melhor depois da pandemia, eles disseram...

 A humanidade será melhor depois da pandemia, eles disseram...

É recorrente a ideia de que, superada a pandemia de Covid-19, nos tornaremos pessoas melhores.
Imagina-se que o isolamento social e as dificuldades provocadas pela doença, de alguma forma,
constituíram experiências coletivas e individuais que, em tese, resultarão em pessoas mais
empáticas, solidárias e compreensivas.
Bem, basta ler as notícias diárias e acessar os comentários nas redes sociais para constatar que
uma pandemia não será suficiente para nos tornar melhores. Trago três exemplos aqui. O
primeiro deles: notícia sobre a inclusão de apenados nos grupos prioritários para receber a
vacina. Reação: inúmeros comentários indignados, raivosos, nos quais as pessoas afirmam ser
inaceitável que presidiários, esses demônios em forma de gente, a escória, os lixos morais,
mereçam tal tratamento. No entanto, para qualquer indivíduo com um resquício que seja de
humanidade, imunizar a população carcerária é totalmente aceitável e desejável, pois, apesar de
criminosos, eles são seres humanos. Mas este argumento não é aceito por aqueles movidos pela
sanha raivosa e vingativa. Numa discussão sobre o assunto, para não ser tachada de defensora de
bandido, utilizei outra explicação: caso aconteçam surtos nas prisões, é quase impossível
controlá-los, de seguir protocolos e evitar a contaminação em massa. Logo, os presos precisariam
de atendimento nos hospitais, e poderiam disputar um leito de UTI com nossos entes queridos.
Sim, evocar apenas direitos humanos não é suficiente neste caso. Aqueles que não enxergam
nenhuma humanidade nos presidiários talvez preferissem que todos se contaminassem e
morressem, que as cadeias se convertessem em versões modernas das câmaras de gás nazistas. E
pensar com a lógica nazista não me parece uma evolução, em qualquer aspecto.
Outra notícia: doentes do Amazonas são transferidos para hospitais do Rio Grande do Sul.
Reação: como assim? Então os governadores e prefeitos não fizeram a sua parte, e vão exportar
doentes para cá? Entre outros comentários racistas e xenofóbicos que me recuso a reproduzir
aqui. Novamente, nenhum exercício de alteridade, apenas o caldo do ódio e do preconceito sendo
engrossado.
E vamos ao último exemplo: homens pintam extintores de incêndio para vender como se fossem
cilindros de oxigênio. Aqui não temos os comentários, apenas a criatividade brasileira utilizada
da pior forma possível. Para ganhar um dinheiro fácil, exploram a dor das famílias e talvez
provoquem ainda mais mortes.
Esses três exemplos são apenas amostras do pensamento que move uma parcela significativa da
população brasileira. A pandemia só terá fim quando o senso de coletivo imperar –e ele não é
nosso forte. Vejam a quantidade de festas, comemorações, aglomerações em praias e outros
lugares, especialmente de dezembro para cá: sob o pretexto do cansaço e da manutenção da
saúde mental, um festival de desprezo, de negação, de estupidez. Isolamento e distanciamento só
funcionam se não pensarmos apenas em nós, se não priorizarmos unicamente nossas

necessidades e desejos. Vacinas só serão efetivas se a maioria do povo se vacinar. Talvez essa
postura individualista explique, em parte, o fato de o Brasil ser o pior país no enfrentamento da
doença. Além do desastre que ocupa a presidência da República, do mau exemplo que o
governante máximo do país nos dá diariamente, temos a tragédia no interior da consciência de
cada um. E, pelas amostras diárias nos jornais e redes sociais, essa tragédia continuará após a
pandemia, materializada em uma sociedade que não evoluiu moralmente.


 

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