Eis que o tal modelo de escola cívico-militar ronda o Bolsonaristão do Sul. Assim que a possibilidade de implantação de tal modelo em uma escola da cidade surgiu, o assunto domina os meios de comunicação locais. Você é contra ou é a favor? - perguntam, para uma população que, desinformada, é seduzida a crer que escola cívico-militar equivale à escola militar.
Vamos aos esclarecimentos. As escolas militares foram criadas para atender a um público muito específico- por exemplo, familiares do pessoal das Forças Armadas, do Corpo de Bombeiros e da Polícia. Para conseguir uma vaga em uma escola militar, é necessário ser aprovado numa espécie de vestibular. Temos então: um grupo de estudantes específico, que provavelmente tem uma condição econômica confortável, e que também passa por uma seleção baseada no conhecimento. Talvez essa variável explique, em grande medida, o bom desempenho das escolas militares em avaliações de aprendizagem: elas atendem a um público seleto, e com melhores condições socioeconômicas, em comparação ao grupo de alunos que compõe as escolas públicas brasileiras "normais", nas quais as notas em avaliações, em geral, são bem menores. Além disso, as escolas militares possuem um currículo diferenciado, com proposta pedagógica específica, elaborada pelos próprios militares.
E a escola cívico-militar, o que é? Ela é muitas coisas, dentre elas, uma forma de fazer propaganda de um ensino baseado na disciplina e na obediência. Nela, pretende-se colocar militares nos cargos de gestão e coordenação escolar, para, de certa forma, estruturar e administrar o colégio. Professores continuarão dando aulas, planejando e avaliando os alunos. O público desse modelo de escola continuará sendo o mesmo: crianças e adolescentes que, em grande parte, carregam um histórico de dificuldades de aprendizagem, distorção entre idade/ano frequentado, atraso escolar, pouco ou nenhum incentivo ao estudo, entre outros problemas. E então, da noite para o dia, esses alunos e alunas serão fardados, deverão manter cabelos bem aparados (meninos), ou amarrados (meninas), e obedecerão a uma série de normas baseadas na disciplina militar. Seu aluno não sabe ler, aos dez anos de idade? Não se preocupe, ele vai aprender a cantar o hino (e, veja bem, não há nada errado em saber cantar o hino, aliás, existe até uma legislação que prevê isso nas escolas "normais". A questão é que a exaltação aos símbolos nacionais será item de destaque em tal proposta), mesmo que não saiba escrever um verso sequer do mesmo. Os adolescentes estão em plena fase de descobertas, rebeldia e contestação? Baixa a bola, rapaziada, que com os milicos não tem espaço para qualquer manifestação mais exaltada. E é exatamente neste ponto que tal modelo de ensino tende a afastar os alunos: não é qualquer criança ou adolescente que se encaixa no perfil de estudante por ele pretendido.E, quando as pessoas não se encaixam, elas tendem a desistir- traduzindo, pode haver ainda mais abandono e evasão escolar.
Infelizmente, a maioria dos pais e responsáveis pelos estudantes não tem clareza a respeito das diferenças entre os dois modelos. O que se faz é uma propaganda enganosa, anunciando uma escola exemplar, com um sistema de ensino eficiente, que resulta numa aprendizagem espetacular. O que se entrega é um Frankeinstein pedagógico. Os déficits educacionais e todos os outros problemas que desembocam na escola continuarão existindo- abafados pela pretensa disciplina e ordem impostas.
Não é de surpreender que o Brasil reme na contramão. Em uma breve pesquisa, descobrimos o que as melhores escolas do mundo priorizam: estímulo à criatividade, à autonomia e ao pensamento crítico. Foco no aluno e no processo de aprendizagem. Assim como na saúde, ciência, direitos humanos, meio ambiente, nosso país segue no rumo do atraso e do equívoco. Marcha, estudante brasileiro, marcha na contramão, para encontrar um passado glorioso que nunca existiu, para fugir do que precisa ser enfrentado e modificado através de políticas públicas eficientes. Marcha, que lá vem aquela galera: da anticiência, da cloroquina e do remédio para piolho. Aí vem o pessoal da rachadinha, da máscara no queixo, da manifestação antidemocrática. O povo do trator. Os degustadores da picanha regada a Heineken, querendo moralizar o país!
Alessandra, muito bom teu texto. Realmente o teu último parágrafo sintetiza tudo. Pensando nas escolas que vimos lá no Canadá, elas, de fato, são o oposto da rigidez verde-oliva opaca.
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