segunda-feira, 11 de julho de 2022

As ruas não são para mulheres

Eu estava indignada com o caso da menina de 11 anos,  de Santa Catarina, induzida pela juíza responsável a não realizar um aborto totalmente legal. A magistrada, com uma conduta questionável, tentou  impedir a interrupção de uma gravidez decorrente de estupro. A  história tomou conta das manchetes e das redes sociais durante o mês de junho. Ao mesmo tempo, se desenrolou uma discussão, em grupo de whatsapp, sobre um projeto de lei municipal que equipara os nomes das ruas da cidade entre homenageados homens e mulheres. Confesso que, na ocasião, o assunto me irritou. Por que cargas d'água estavam falando sobre isso, quando temos em nosso município tantos casos de mulheres em situação de violência doméstica, sem oportunidades de emprego e estudo? Será que o debate sobre nomeação de ruas era realmente necessário? É óbvio que a representatividade importa, mas me pareceu que havia outros problemas mais urgentes. 

No entanto, fiquei pensando a respeito. E cheguei à uma conclusão. A questão do direito ao aborto legal está intimamente ligada ao debate sobre nominação de ruas, de forma equiparada, entre personalidades masculinas e femininas. Em diferentes níveis. 


Explico. Um pensamento atrasado e rudimentar, quando se fala em direitos das mulheres, predomina em parcela considerável da sociedade brasileira-  e especialmente em comunidades pequenas, como a lagoense. Esposas e namoradas são mortas pelos companheiros (ou ex), que as consideram uma propriedade. Lemos as estatísticas de feminicídio e seguimos a vida, como se tais números fossem naturais ou inevitáveis. Negamos o direito feminino ao próprio corpo e saúde, dificultando a interrupção da gravidez, evocando o direito de nascer do feto. Justificamos estupro e abuso, analisando as vestes e comportamento das vítimas. Aliás, a maior autoridade política do país afirma que só não estuprou uma colega porque ela era muito feia. A mesma figura considera sua única filha uma fraquejada.Estamos, pois, neste nível. E, ao propor uma lei em que mulheres e homens tenham paridade na nomeação de ruas, vamos para o nível mais elevado. Passamos para a etapa na qual as mulheres não são apenas valorizadas, reconhecidas e respeitadas. É o nível no qual são exaltadas e eternizadas, nível este em que apenas as sociedades realmente livres e igualitárias estão incluídas.


Hora, não me surpreende que seja revogada, pela Câmara de Vereadores de Lagoa Vermelha, uma lei que prevê paridade de nomeação de ruas.  A referida câmara é majoritariamente masculina, com representantes que, em sua maioria, estão lá no nível rudimentar de pensamento, naquele nível no qual  se acredita que nem mesmo os direitos mais básicos das mulheres devam ser reconhecidos e assegurados. Nenhuma surpresa. Somos o país de Marielle Franco. Lugar onde uma vereadora é assassinada e em seguida tem sua memória desrespeitada por homens que sobem ao palanque e rasgam sua placa. Uma placa que nomeava uma rua. Violência física, violência simbólica. Aqui, nessa pequena cidade, e em muitas outras espalhadas pelo país, as ruas não são para mulheres.


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