sábado, 8 de abril de 2017

Nova medida, velho filme


      
E lá vamos nós novamente. O MEC anuncia que a idade mínima para alfabetização será alterada. Como já foi feito antes: o objetivo era alfabetizar todas as crianças até oito anos de idade, ou seja, até o terceiro ano do Ensino Fundamental. Agora, a meta deverá ser até o final do segundo ano. Esse filme é velho. Tendo como base minha experiência de educadora em escola pública, desde 2001, vejo duas questões que parecem não estar claras para a secretária executiva do MEC e outras pessoas envolvidas no processo.

     A primeira diz respeito a falta de clareza sobre o que ensinar em cada ano escolar. Explico: a transição da modalidade Ensino Fundamental de oito anos para nove anos foi feita de forma abrupta, gerando muitas dúvidas nos professores. É óbvio que a intenção inicial era ter mais tempo para aprofundar os conteúdos ou conhecimentos curriculares trabalhados, resultando numa melhor aprendizagem. Falava-se no primeiro ano lúdico, em antecipar o contato com o mundo letrado, o famoso letramento, e dar mais tempo para a criança apropriar-se do sistema de escrita. Em muitas escolas a reprovação ou retenção de um ano para outro foi abolida até o terceiro ano. Parecia que o problemas estariam resolvidos. Pouco tempo depois, é comum que turmas com alunos de nove ou oito anos tenham percentuais elevados de crianças incapazes de ler e escrever com autonomia. Pior, há alunos que não reconhecem nem mesmo as letras do alfabeto.  Creio que seja o resultado dessa alteração repentina na modalidade de ensino, sem o devido estudo e esclarecimento para a comunidade escolar, sem que nós, professores, tivéssemos uma definição do que ensinar em cada etapa. Por isso agora a necessidade da Base Comum Currricular, também controversa e questionável. Mas o que quero dizer é: antes do Ensino Fundamental de 9 anos, a expectativa era que a criança se alfabetizasse na primeira série, aos sete anos de idade; na segunda série, os alunos aprendiam multiplicação, divisão e muito sobre Ciências ; na terceira, conheciam os pontos cardeais, tinham um bom vocabulário, sabiam o que eram sinônimos e escreviam pequenos textos. Agora, no terceiro ano, muitos alunos chegam completamente analfabetos. A sensação que tenho é que ensinamos cada vez menos, e as crianças, em consequência, aprendem cada vez menos também.



      O segundo ponto, diretamente relacionado ao primeiro, diz respeito à ideia de que a solução está na metodologia do professor. Se o professor é qualificado e utiliza a forma mais adequada para ensinar, todos aprendem. Cria-se o Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa. Mas a não-alfabetização persiste. O PNAIC pode até ser válido como uma política pública de formação continuada para os professores, oferece material pedagógico e de apoio de qualidade, no entanto, não faz milagre. Porque o aluno que não tem dificuldade para aprender, aprende de qualquer forma, não importa a metodologia. Ele vai se alfabetizar. A questão é: como ajudar aqueles alunos extremamente desatentos, agitados, ou que são bem mais lentos ao realizarem as atividades propostas? Isso o PNAIC não resolve, porque a resposta está em oferecer apoio pedagógico e multidisciplinar em todas as escolas, identificando os alunos que necessitam de reforço escolar, paralelo às aulas regulares, e fazer com que esse sistema funcione. Porque essas crianças aprendem, sim, mas precisam de um local mais calmo (não uma sala de aula com 25, 30 crianças), de um plano de estudos direcionado para aquilo que precisam aprender, com um professor qualificado e que tenha um canal estreito de comunicação com o professor regular da turma. Pensar que o professor, sozinho, numa sala de aula lotada de crianças com diferentes realidades e dificuldades, vai resolver tudo, é utopia. Apenas mandar o aluno para o ano seguinte, sem que tenha atingido o mínimo dos objetivos propostos, é empurrar o problema com a barriga. Fala-se muito da Finlândia quando o assunto é educação de qualidade, e lá eles conseguem bons resultados nas avaliações internacionais porque, vejam só, não deixam nenhum aluno para trás. Todos têm o direito de aprender tudo que precisam aprender no momento certo. Mas há toda uma estrutura envolvida, com profissionais que recebem apoio, suporte, e não apenas medidas do governo que estipulam essa ou aquela idade mínima para alfabetizar.
        Eu me pergunto quando que nossos governantes vão compreender questões tão simples. Talvez no dia em que deixarem seus gabinetes confortavelmente climatizados e colocarem os pés numa sala de aula de alfabetização da rede pública. Talvez.

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