A Apple anunciou seu novo lançamento, o iPhone X,
uma edição comemorativa para o décimo aniversário da linha, com novo design e a
promessa de recursos incríveis, como uma super câmera e a tal "realidade
aumentada". Logo veremos longas filas dos consumidores fiéis à marca, que
é quase uma religião, esperando para comprar seus novos dispositivos. No entanto,
como acontece também com outras marcas e produtos, as modificações ou os
recursos incríveis prometidos quase sempre são uma jogada de marketing para
vender praticamente a mesma mercadoria por um preço bem salgado.
Isso me levou de volta ao passado e me fez
recordar um fato que marcou minha infância, há uns trinta anos. Eu tinha uma
colega bem humilde, que morava numa casa antiga, toda em madeira, com a pintura
azul esmaecida e descascada pela ação do tempo. A menina passava o inverno
inteiro usando o mesmo blusão de lã, tricotado à mão, de uma cor verde com
alguns detalhes que a memória não alcança. Eu ficava me perguntando se a peça
era lavada. Como conseguiriam lavar e secar aquela roupa de um dia para o outro?
Talvez estendessem perto do fogão à lenha para acelerar o processo.
Certa manhã, minha amiga apareceu sem o blusão.
Não lembro que outra roupa ela usava, mas recordo do alívio de vê-la vestindo
algo diferente. Vai ver os pais se deram conta que o velho blusão era, de fato,
muito velho.
Mas, alguns dias depois, fui até a casa dessa
amiga para visitá-la. Estávamos as duas na sala, batendo papo, e a mãe dela
chegou com um pacote. A menina logo perguntou:
- O que é mãe?
- É o seu blusão!
E lá
estava a peça de roupa esverdeada, agora refeita e com um novo desenho na
frente. A mãe levou para alguém desmanchar e fazer novamente. Eu não podia
acreditar na felicidade da menina, abraçando a peça, dando pulos e gritinhos de
alegria. Por um blusão velho com cara de novo.
Não estou aqui querendo fazer uma comparação
entre o novo iPhone e o blusão velho. Não quero dizer que o iPhone X é o velho
com aparência de novo. O que me levou à reflexão foi a felicidade que veio da
simplicidade da minha antiga amiga. A satisfação por ter novamente seu blusão
refeito. Aí sim, é exatamente o oposto do que ocorre hoje em dia. Nós buscamos
satisfação na complexidade e no inédito, recorrendo ao consumismo. Sim, é um
clichê, a tal vida vazia cheia de objetos inúteis e totalmente dispensáveis.
Acontece que, ao longo da minha vida, experimentei muitas vezes a satisfação
verdadeira, aquela que vem das coisas mais simples (outro clichê, desculpem).
Mas é assim. Um novo corte de cabelo, usar batom vermelho como não usava há
muito tempo, perceber que a pessoa com quem convive por mais de duas décadas
pode te surpreender ainda, e positivamente... Reler aquele livro que te marcou
na adolescência, e notar o quanto ele ainda significa para você. Escutar aquela
música que ama, mas numa nova versão. Descobrir que teu filho tem um senso de
humor característico. Que outro filho aprende com uma facilidade incrível. Acertar aquela famosa receita que a tua mãe fazia. São
coisas simples, mas que satisfazem, não dependem de marketing, e, o melhor, você
quase nunca precisará entrar numa fila para que elas aconteçam.
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