terça-feira, 16 de maio de 2023

As deusas hindus e a escola pública

A escola precisa de gente. O processo educativo ocorre além da sala de aula. Uma biblioteca precisa de um profissional para cuidar do acervo, organizar visitas e administrar empréstimos de livros. Uma sala de recursos digitais necessita de pessoas com o mínimo de conhecimento sobre os equipamentos e a internet, alguém que conecte cabos e verifique se há mouses e fones de ouvidos suficientes. Um recreio necessita de monitores que acompanhem as crianças, evitem brigas, estimulem a recreação e a convivência. Quando um estudante não aprende o que é previsto para aquele ano letivo e para sua idade, ele precisa de pessoas que o acolham e trabalhem essas dificuldades. Professor de reforço pedagógico, profissionais da saúde para avaliar e, se for o caso, diagnosticar transtornos de aprendizagem ou deficiências. 

Além de uma estrutura adequada, a escola precisa de recursos humanos para funcionar bem. E há tanta gente precisando trabalhar! Gente formada. Gente capacitada. Então, por que estas pessoas não estão assumindo postos de trabalho no lugar que tanto precisa delas? Porque, apesar do discurso recorrente, especialmente em época de campanha eleitoral, de que a educação é a solução, há governos que acreditam que o espaço educativo se resume à sala de aula. Assim, o professor basta. E uma exígua equipe gestora. Todos se desdobrarão para cumprir tarefas que ultrapassam suas atribuições. Irão se transmutar em deusas hindus com múltiplos braços, mas de carne e osso, com limitações e salários insuficientes. Aí fica mais fácil compreender por que esses mesmos governos gostam tanto de promover o trabalho voluntário nas escolas. A participação de empresas privadas, tão bem-intencionadas, das ONGs especialistas em dizer o que está errado. E em propor soluções que passam, de novo, pelo esforço descomunal dos professores e gestores, com seus muitos braços invisíveis - mas com tarefas reais e bem pesadas.

E assim seguimos: conectando cabos, escolhendo livros na biblioteca nos segundos do intervalo, apartando brigas nos recreios, remediando dificuldades de aprendizagem que se avolumam, nos angustiando com deficiências e transtornos não diagnosticados, nos embaralhando com os múltiplos braços inexistentes de deusas que não somos.

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