sábado, 4 de janeiro de 2014

Mandela e cinema: para começar bem o ano



          Nelson Mandela faleceu em 2013. Mandela dispensa explicações e comentários. Curiosamente, alguns dias após o falecimento do líder sul-africano, assisti ao filme “Repórteres da Guerra”. O filme conta a história real de um grupo de fotógrafos da África do Sul, que ficou conhecido mundialmente como “Clube do Bang-Bang”.  A principal motivação para assisti-lo foi a ânsia de saber mais sobre a vida de Kevin Carter, um dos componentes do referido grupo que fez a famosa foto de uma criança africana faminta (foto vencedora do Prêmio Pulitzer), quase morta, tendo às suas costas um abutre prestes a entrar em ação. Kevin foi massacrado publicamente por não ter ajudado a criança que morria de fome e cometeu suicídio pouco tempo depois. De fato, fiquei conhecendo mais sobre ele e também a respeito do companheiro Greg Marinovich, agraciado também pelo mesmo Prêmio, mas por ter registrado com sua câmera um fato terrível: o assassinato de um suposto membro do Partido da Liberdade Inkatha pelos apoiadores do Congresso Nacional Africano (o homem foi queimado e depois decapitado). Até assistir ao filme, eu sabia muito pouco sobre a história da África do Sul. E foi por causa do que assisti que pesquisei, li e aprendi muito sobre o assunto, em pouco tempo. Senti uma certa vergonha da minha própria ignorância em relação ao Mandela, um dos maiores líderes mundiais conhecidos, agraciado com um Nobel, exemplo para todos nós.
           Mas, para minha surpresa, a aprendizagem e descobertas sobre a história da África do Sul seriam ampliadas através de outro filme, tocante, espetacular, emocionante: Borboletas Negras. O filme conta a história da poetisa Ingrid Jonker, uma escritora sul-africana que viveu no período do  Apartheid – regime de segregação racial vigente de 1948 a 1994. Ela viveu uma relação conflituosa com seu pai, que era membro do Partido Nacional do Parlamento, extremamente rígido e odiosamente racista. Ingrid era o contrário do pai e esse confronto ideológico acirrava ainda mais o relacionamento dos dois. Ela suicidou-se em 1965, dando fim a uma vida intensa e angustiada. Em 1994, quase trinta anos após sua morte, Nelson Mandela leu o poema de Ingrid,  “A Criança que foi Assassinada pelos Soldados de Nyanga”, no seu primeiro discurso como presidente da África do Sul. Depois de assistir ao filme, fui imediatamente pesquisar sobre a autora. Descobri que a Wikipédia não dispunha da sua biografia em português. O livro de poemas dela também não está disponível em nossa língua. Consegui ao menos a tradução integral do poema lido por Mandela em 1994. Assim como chorei várias vezes durante o filme, não consigo conter as lágrimas os ler as seguintes palavras:

A criança não está morta

A criança levanta seu punhos contra sua mãe
Que grita África!
Grita o fôlego/De liberdade e das planícies
Nos lugares do sitiado coração
A criança levanta seus punhos contra seu pai
Na marcha das gerações
Que grita África!
Grita o fôlego/Da justiça e do sangue
Nas ruas do batalhado orgulho
A criança não está morta, nem em Langa, nem em Nyanga
Nem em Orlando, nem em Sharpeville
Nem nas delegacias em Philippi
Onde jaz com uma bala em seu cérebro
A criança é a negra sombra dos soldados
em guarda com rifles sarracenos e bastões
A criança está presente em todas assembleias e tribunais
A criança vaga através das janelas das casas e por entre os corações das mães
A criança que apenas queria brincar ao sol de Nyanga está em todo lugar
A criança que cresceu para ser homem vaga por toda África
A criança, tornada em um gigante, viaja por todo o mundo
Sem um passe

       Esqueci de mencionar: a brilhante poetisa escreveu esse poema após testemunhar o assassinato de uma criança negra pela polícia africana (branca)
      Bem, só tenho a agradecer ao cinema (refiro-me a pequena parcela de bons filmes, de conteúdo relevante, geralmente feitos com pouco dinheiro, diferentemente das asneiras típicas de Hollywood, que custam milhões de dólares) por ser uma fonte de conhecimento, de descoberta da história real e palpável, não aquela história fria e impessoal dos livros didáticos.
       Além disso, ao ler e estudar sobre os mais variados temas, convenço-me de que o que sei é apenas uma pequena partícula de conhecimento perdida no vasto mar da história (e da vida).


Um comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...