quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

As coisas




                Na inauguração da primeira loja oficial da Apple no Brasil teve uma fila enorme que chegava a ocupar até a escada rolante de um shopping center no Rio de Janeiro. A marca tem uma legião de clientes fiéis, quase que de uma forma religiosa. Essa excitação em torno de uma loja reflete uma característica marcante do nosso tempo: a glorificação das coisas.
              No caso dos celulares ou iPhones, por exemplo. Já cansei de presenciar a cena: uma galera jovem reunida, cada qual com seu "brinquedinho" em mãos, conectado às redes sociais. Há vinte poucos anos atrás, na minha adolescência, nós nos reuníamos da mesma forma, mas não havia celular. Aí restava conversar, ouvir música, contar piadas, paquerar. Tudo ao vivo, não virtualmente. Mas agora uma "coisa", um objeto, substituiu a convivência. As novas gerações não vão mais saber o que é olho no olho, nem o que é curtir um show ao vivo, cantar e dançar feito louco. Basta dar uma olhada no YouTube e comparar os festivais de rock do passado, nos quais a galera só queria ouvir boa música e se divertir, e os de agora. No presente, o interesse é fotografar e filmar para depois postar nas redes sociais.
             Mas, voltando às coisas. Vivemos num mundo excessivamente preocupado com o ter. Seja o carro do ano ou  a roupa de marca, seja a casa decorada seguindo as últimas tendências, o importante é ter coisas. Estamos transformando nossos próprios corpos nelas: silicone, lipo, botox. Nossa imagem transforma-se em coisa através das modificações do photoshop.
             Bem, eu gosto de comprar roupas e sapatos. Mas não transformo isso em objetivo de vida, como a história da moça de 18 anos que trabalhou durante um ano inteiro como balconista, economizando seu modesto salário para ao final do ano comprar uma bolsa Louis Vuitton que custava mais de seis mil reais.
             Nossa sociedade anseia pelas coisas. Tem mulher que não passa uma semana sem ir ao cabeleireiro; eu, ao contrário, detesto. Quando me obrigo a ir, são inevitáveis três horas de suplício (tintura, corte, progressiva...). Da última vez, a mocinha auxiliar do salão ofereceu-me uma edição volumosa da revista Vogue para passar o tempo. Ela fez o seguinte comentário: "Essa revista é boa. Tem tudo". Fiquei  imaginando a que "tudo" ela se referia. Encontrei maquiagens e perfumes importados, camisetas que custam meu  salário do mês e bolsas Vuitton e Victor Hugo que custam o equivalente a um carro popular. Poxa, tem tudo mesmo. Tudo que algumas pessoas desejam e passam uma vida toda tentando adquirir.
            Mas para mim, uma bolsa é apenas uma bolsa. Qualquer uma serve, independentemente da marca, contanto que cumpra sua função que é a de carregar objetos.
           Dirijo qualquer carro, o que importa é chegar ao meu destino sem que ele quebre ou gaste muita gasolina.
          Coisas são apenas coisas. Elas não são capazes de nos trazer felicidade ou de preencher o vazio existencial. Acredito que a única coisa que constitui a exceção chama-se livro. Se as coisas nos escravizam, as palavras nos libertam.
           Taí. Boa dica para o pessoal da fila da Apple. Passem uma tarde em companhia de um bom livro. E também para a moça da bolsa Vuitton: há vários tamanhos de livros, que cabem em diferentes tipos de bolsas (e bolsos). 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Perdendo amigos no Facebook: quem se importa?





            Notícia que aparece em destaque nos últimos dias: "Mulher que teve câncer posta fotos nua mostrando cicatrizes das cirurgias e perde mais de cem amigos no Facebook". A intenção dela era louvável: alertar às pessoas sobre a importância do diagnóstico precoce.
           Não entendo o porquê de um fato como esse ter tanta repercussão.  Facebook é uma rede social inicialmente utilizada pelos jovens principalmente para conhecer pessoas, paquerar, marcar encontros. Ainda é utilizado para esses fins, no entanto, a galera jovem está migrando para outras redes como o whatsapp. Os usuários do Facebook , agora, são pessoas mais velhas, estando a maioria na faixa dos 30 aos 40 anos. E o perfil da maioria dos usuários não é compatível com pessoas interessadas em tragédias pessoais, muito menos com a realidade sem filtros, sem fotoshop, ou seja, a vida como realmente é.
            Quem "entra" no Facebook e lá permanece, geralmente, diverte-se com piadinhas bobas, frases bonitas e mensagens superficiais (atribuídas a autores famosos), mas, principalmente, sente-se à vontade para viver uma realidade que pode ser cuidadosamente melhorada, maquiada, recortada. Eu posso ter o pior trabalho do mundo, ser infeliz, ter inúmeros problemas familiares, e, ainda assim, meu perfil no Facebook pode demonstrar algo totalmente diferente. Na rede todo mundo é bonito, bem sucedido, feliz, faz as melhores viagens, tem os amigos mais excepcionais... Não é um meio muito adequado para quem deseja expor com sinceridade e franqueza  as adversidades ou doenças da vida.
            Tentei por duas vezes manter um perfil no Facebook. Postei alguns textos de minha autoria, sobre assuntos do momento ou contendo reflexões minhas, na esperança de que os "amigos" comentassem, discutissem, tentando promover alguma reflexão. Nada disso ocorreu. Compartilhava posts sobre livros e músicas que também não repercutiam. Coloquei minhas melhores fotos (poucas) e fotos dos meus meninos, mas aí percebi que estava perdendo tempo com algo totalmente fútil. Expor minha intimidade, publicar textos que considero razoáveis para um monte de gente que só quer saber de parecer  rico, bonito e inteligente  não era (e não é) minha praia. Caí fora.
           Pena que a mulher da notícia não percebeu o que constatei antes de expor sua tragédia pessoal. Como disse  Bruce Dickinson, do Iron Maiden: "Ter um milhão de amigos é o mesmo que não ter nenhum". E perder 100 "amigos" no facebook não faz a menor diferença.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Nativos e excluídos digitais





              Em outubro de 2013 a União Internacional das Telecomunicações (UIT, órgão da ONU) divulgou que o Brasil é o país que possui a quarta maior população do mundo de nativos digitais - jovens que cresceram familiarizados com as novas tecnologias, computadores, internet, celulares, etc. Apesar dessa colocação, sabe-se que grande parte da população brasileira não tem acesso ao mundo digital, algo que ocorre também em outros países em desenvolvimento.  O mesmo UIT afirma que o custo da internet em nosso país é um dos mais caros do mundo. Ou seja, a exclusão digital está ligada ao desenvolvimento econômico.
             Num mundo altamente competitivo e que exige o domínio das novas tecnologias, mais uma vez as pessoas de classes menos favorecidas são colocadas em desvantagem. Como afirma, de forma bastante pertinente, Leo Dantas:
"Ser um excluído digital não significa apenas desconhecer a informática básica. Significa estar excluído de um mundo de informações e possibilidades que desenvolvem a capacidade cognitiva do ser humano. Não ter acesso e não dominar as novas tecnologias da era da informação é tão prejudicial para o desenvolvimento intelectual quanto ser analfabeto funcional. Os excluídos nos dois casos ficam à margem de todas as possibilidades de desenvolvimento pessoal.
As oportunidades dos incluídos são bem maiores do que os que vivem o apartheid digital. Para se obter um emprego, cada vez mais é preciso ter destreza no uso do computador e dominar as tecnologias da Internet. De que adianta uma secretária que sabe editar um texto no Word se não sabe enviar o texto anexo por e-mail? Concursos públicos para todas as áreas de nível médio e superior já exigem conhecimentos de Internet, confirmando a necessidade do domínio das novas tecnologias da informação e das comunicações para o trabalho." (Extraído do Blog de Leo Dantas)
        Nesse contexto surge a escola, uma escola que parece ter parado no tempo, como se estivesse dentro de uma redoma de vidro que a impede de acompanhar a evolução da sociedade. Em última instância, podemos dizer que temos uma escola do século XIX em pleno século XXI. Os governos de modo geral vêm tentando democratizar o acesso aos computadores e a internet oferecendo às escolas laboratórios de informática, tablets e lousas digitais. Grande parte dos educadores se esforça para integrar o uso desses recursos nas aulas. Outros relutam em aderir às novas tecnologias. É difícil romper com velhas práticas educativas e a consequente segurança que proporcionam. Há um grande conflito de gerações no qual os adultos (e professores) ficam constrangidos perante o fato de que crianças e jovens nativos digitais sabem muito mais sobre computador e internet do que os adultos. Eles são o resultado da Revolução Digital. Porém, como foi dito anteriormente, há uma grande parcela da população brasileira que está à margem dessa Revolução. É justamente para os alunos que estão entre os excluídos digitais que a escola e o professor representam uma oportunidade de inclusão.
         No entanto, práticas educativas que utilizem de forma sistemática e efetiva as novas tecnologias são tímidas e insuficientes. Os obstáculos para uma nova forma de ensinar começam nos cursos de formação de professores e depois na formação continuada dos mesmos.  A Era Digital exige profissionais capacitados para ensinar tanto àqueles que sabem mais (os nativos digitais) quanto àqueles que estão excluídos digitalmente. Mas, até agora, parece que as escolas em geral não têm dado conta do recado.
         O desafio é enorme. Mas não podemos desconsiderar o fato de que o modelo de escola que temos, com práticas de ensino que remetem ao século XIX, está ultrapassada, fadada ao fracasso e precisa ser superada. Se o que almejamos é diminuir a desigualdade social e formar cidadãos conscientes, atuantes, capacitados para enfrentar um mundo exigente, precisamos urgentemente transformar nossa prática educativa, utilizando as novas tecnologias efetivamente no dia a dia da escola. É óbvio que a escola e o professor sozinhos não farão nenhum milagre, visto que é a própria exclusão social que provoca a exclusão digital. Mas todo esforço é válido. Dessa forma, estaremos contribuindo para a inclusão digital e melhorando a aprendizagem dos nossos alunos.




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