quinta-feira, 6 de março de 2014

Brasil, país da Copa. Brasil, país do abismo




                  Luizinho e Ronaldinho são dois meninos de nove anos de idade que moram numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul.
                  Luizinho é filho de um advogado e de uma dentista. Cresceu num ambiente letrado, em meio a livros, revistas, jornais e gibis. Em sua casa há dois computadores, notebook e tablets com acesso à internet, além de TV à cabo. Desde muito cedo teve brinquedos e jogos adequados às diferentes fases de seu desenvolvimento.
                Ronaldinho é filho de uma dona de casa. Seu pai trabalha eventualmente fazendo "bicos" como servente de obras na construção civil. Na casa deles não há livros ou revistas; jornais, apenas os velhos, para queimar no fogão à lenha. Nada de computador e internet.
                  Luizinho iniciou sua escolarização numa escola de educação infantil aos três anos de idade. Ao ingressar no primeiro ano do Ensino Fundamental estava praticamente alfabetizado.
               Ronaldinho não frequentou a educação infantil. Somente ao ingressar no primeiro ano conheceu  as letras, os números, os livros. Ele não aprendeu a ler nem a escrever no decorrer daquele ano. Nem do ano seguinte. E nem no outro.
                 Luizinho estuda numa escola particular. Compra o lanche diariamente na padaria. Suas escolhas preferidas são água de coco, suco, coxinha, pastel e sanduíche.
                 Ronaldinho come a merenda oferecida pela escola pública na qual estuda. Quando servem algo que ele não gosta, passa a tarde sem lanchar.
                Na lista de material escolar de Luizinho constavam mais de sessenta itens, dentre eles, livros de literatura infantil e dicionário. Ele também ganhou uma mochila nova que custou duzentos e cinquenta reais.
                 Na lista de materiais de Ronaldinho foram solicitados dez itens básicos, como lápis de escrever e cadernos. Mas ele iniciou as aulas sem nada. A mãe utilizou o dinheiro do bolsa-família para fazer  as compras no mercado. A escola e os professores doaram ao menino o material necessário, que ele guardou na mochila herdada do irmão mais velho.
                Na escola de Luizinho os alunos são constantemente avaliados, inclusive através de provas, a partir do segundo ano. Há reprovação para aqueles que não atingem os objetivos de cada ano. A tarefa de casa é diária e utilizada pelos professores como forma de criar hábitos de estudo e de reforçar o que é trabalhado em sala de aula.
                Na escola de Ronaldinho não há reprovação até o quarto ano. Não há provas nem avaliações. Os professores dificilmente dão tarefa de casa. A escola afirma que criança precisa ter  tempo de brincar e deve ser poupada de atividades escolares extras.
                  Luizinho não teve problemas para aprender, mas, caso tivesse, receberia apoio da família. Seria levado a médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e pedagogos, caso fosse necessário.
               Ronaldinho apresentou dificuldades para aprender e acompanhar o ritmo  das turmas desde o início de sua escolaridade. Na cidade em que mora há apenas uma psicóloga (paga pelo Estado) para atender a demanda de todas as escolas do município. A escola que frequenta não oferece reforço escolar por falta de recursos humanos. Sua família, carente, não tinha condições de contratar serviços particulares para ajudar a criança.
                Luizinho está no quarto ano do Ensino Fundamental e continua estudando em escola particular. Na primeira semana de aula de 2014, leu um texto de três páginas e identificou o assunto de cada parágrafo.
                 Ronaldinho também está no quarto ano, numa escola pública. A professora, notando que o menino não conseguia realizar as atividades em aula, ditou dez palavras para que o menino as escrevesse. Ele não conseguiu escrever nenhuma palavra. Ronaldinho continua analfabeto após três anos de escolarização. Indagado sobre o que gostaria de aprender durante o ano na escola, o menino disse: "Aprender a ler."
                    Luizinho passa boa parte de seu tempo livre em frente ao computador e no futuro pretende ser criador de games.
                  Ronaldinho enfrenta dificuldades no laboratório de informática da escola pois não consegue localizar as letras no teclado do computador. Ele não tem ideia do que deseja para o futuro.
                  Luizinho diz que não está muito empolgado com a Copa do Mundo e que só assistirá aos jogos se não tiver algo melhor para fazer.
                Ronaldinho, apesar de ter sido batizado com esse nome em homenagem ao jogador, não gosta muito de futebol. Mas tem esperança que o pai ganhe o carro zero da promoção "Torça, ganhe" de uma loja da cidade.
               Luizinho e Ronaldinho nasceram e cresceram no país da Copa do Mundo de 2014.
               O país do abismo. Abismo social, cultural e econômico.
                 Brasil, país da justiça social?
                  Brasil, país da igualdade?
                  Um dia, apesar da Copa, quem sabe?


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