Matheus ouvia atentamente a explicação da professora. Ela era
muito inteligente. Estava explicando sobre uma tal pirâmide alimentar e ia
colando imagens de alimentos no cartaz fixado no quadro. O estômago do menino
roncou. Pelo relógio da sala, calculou que ainda faltava mais de uma hora para
a merenda. Era o terceiro dia que comiam apenas arroz no almoço. A mãe precisou
usar o dinheiro do feijão para comprar as fraldas de Lucas, seu irmão mais
velho, cadeirante.
- E as frutas, onde se encaixam? - a professora continuava
sua aula.
O ronco da barriga novamente. Matheus pensou como seria bom
se pudesse repetir a merenda naquele dia. Talvez conseguisse enganar a
funcionária e ela não marcaria sua mão com
a canetinha que indicava que já havia sido servido uma vez. Mas os
colegas o denunciariam.
A pirâmide estava quase completa. A imagem fez o menino
lembrar daquele dia em que fora até o shopping do centro, caminhando por mais
de quatro horas, sem a mãe saber, é claro. Aquele lugar parecia outro mundo.
Sentou numa das mesas da praça de alimentação, observando as pessoas que iam
embora e deixavam seus pratos com restos de comida. Catava as batatas fritas,
restos de hambúrgueres e comia, ao mesmo tempo em que guardava uma parte numa
sacola plástica. Para os irmãos. Mas um dos seguranças veio até ele e começou a
arrastá-lo. Uma mulher o impediu. Ela discutiu por alguns momentos com o homem
e disse que pagaria um lanche para o menino. Sentaram-se lado a lado. Ela
perguntou onde ele morava. Ele contou sobre sua mãe, diarista, e os três
irmãos. Sobre Lucas, que agora ficava o dia todo na escola e só voltava à
noitinha. A mulher chamava-se Dora e tinha um cheiro quase tão bom quanto o da
professora. Lucas devorou o BigMac e Dora perguntou se ele não comeria as
batatas.
- Vou levar para dividir com meus irmãos.
Ele gostaria de levar a Coca também, mas ela já havia aberto
a latinha. O menino observou os olhos da mulher encherem de lágrimas.
- Espere um pouco - disse ela, dirigindo-se até o balcão do
fast food. Voltou com uma sacola cheia.
- Aqui. Leve para os seus irmãos.
O menino voltou entusiasmado para casa, pensando que logo,
logo, talvez na quinta série, deixaria de estudar e arranjaria um trabalho, e
então talvez pudessem ir até o shopping de vez em quando e pedir seus lanches,
todos juntos.
Naquela noite, todos encheram suas barrigas, sorrindo e
conversando em volta da pequena mesa do barraco de dois cômodos. Apenas a mãe
estava séria. Vestia uma camiseta da eleição passada, com a foto do prefeito sorrindo.
- Nunca mais saia sozinho de casa. É muito perigoso.
- Mas, mãe...
-Sem conversa. Não faça mais isso.
A pirâmide estava pronta. Então Matheus lembrou de um
alimento que não saberia classificar. Não sabia se era carboidrato ou proteína.
- Professora, e o farelo?
- Como, Matheus?
- O farelo, aquele que o prefeito distribui - falou, entre os
risinhos abafados de alguns colegas.
Era o farelo que ele comia, misturado com água, que até aliviava um pouco a dor de estômago causada pela fome, mas não era gostoso. Nem bonito.
Era o farelo que ele comia, misturado com água, que até aliviava um pouco a dor de estômago causada pela fome, mas não era gostoso. Nem bonito.
- Ah, acho que sei - falou a professora, pensando no que
responder. Teve vontade de dizer ao menino que o farelo estava em outra
pirâmide, a pirâmide SOCIAL dos alimentos, na qual a lagosta do prefeito
estaria bem na pontinha superior, e o tal farelo, que muitos chamavam de ração,
estaria na base. Mas ao mesmo tempo imaginou o Kim Kataguiri e o Alexandre
Frota entrando na sala com cartazes do Escola Sem Partido e acusando-a de
esquerdopata.
-Na verdade, não sei onde o farelo se encaixa nessa pirâmide,
mas vou pesquisar e depois conto para vocês.
Matheus admirava muito sua professora, pois havia poucas
coisas que ela não sabia, e quando não sabia, não tinha vergonha de admitir. E
sempre cumpria a promessa de pesquisar e trazer a resposta.
- Agora, cada um de vocês vai montar a sua pirâmide,
desenhando os alimentos que costumam ingerir diariamente.
O menino olhou para o relógio. Quase hora de comer. Desenhou
arroz, feijão e uma banana na sua folha. A professora questionou, quando viu:
- Você quer colocar mais alguma coisa, Matheus?
- Não professora, é isso mesmo que eu como.
- Mas, nenhuma fruta mais, você gosta de fruta?
- Eu gosto. E de iogurte. A mãe compra, uma vez por mês, um
potinho pra cada filho. Eu faço um furinho no meu pote e vou tomando um
pouquinho por dia. Às vezes, dura uma semana.
A professora foi até sua mesa e retirou um embrulho da bolsa.
- Olha, eu tenho essa maçã aqui. Pode ficar com ela, tem
outra lá na sala dos professores.
- Obrigado professora.
Foram interrompidos pelo sinal.
Enquanto comia, Matheus ficou pensando como classificaria
cada alimento do seu prato. Ele adorava comer e aprender.
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