Eu era apenas mais uma adolescente desengonçada, que se
achava muito feia e gorda. Ela era minha vizinha. Uns dois anos mais velha,
longilínea, cintura finíssima, cabelos dourados e longos e a pele que bronzeava
com facilidade. Professora de dança. Já estava acostumada a ficar admirando o
jeito dela andar, de se dirigir às pessoas, de ensinar com leveza um novo passo
de jazz. Mas então mudei de casa e fui
morar em frente à casa dela. Podia vê-la sair na garupa da moto do pai, com um colant grudado no corpo e um jeans que
revelava todas as curvas perfeitas que eu sonhava em ter. Minha imagem no espelho da academia, de malha preta,
baixinha, corpo quadrado e pouca graça nos movimentos, ficava cada vez mais
patética em comparação à beleza e elegância da minha vizinha.
Era como se a Barbie que eu vestira durante anos da infância
com vestidos rosa de baile tivesse ganhado vida. Lembrava também a personagem
de um romance que eu adorava e relera à exaustão. Às vezes, tinha dificuldade
em separar a Barbie, a personagem do livro (que era bailarina, algo que eu
gostaria muito de ter sido) e minha vizinha bela e perfeita.
Ela chegou a ser finalista num concurso de beleza local.
Assisti ao desfile pela TV. Depois, certa manhã, quando estava indo para a
aula, um grupo de rapazes mais velhos comentava sobre uma festa que aconteceria
no final de semana, com entusiasmo:
"A fulana vai estar lá! Nós não podemos perder!"
Meninos iam a festas apenas para vê-la.
Uma noite uma tia me levou a um baile e ela estava lá. Não
sei como o par da moça conseguia acompanhá-la. Ela não deslizava pelo salão,
ela dançava fazendo coreografias que me fariam trançar as pernas e cair no
primeiro passo. Grudei os olhos nela a noite toda, como se pudesse absorver um
pouco daquela habilidade e do encanto.
Um dia, ela foi embora. Diziam que iria estudar dança em
alguma escola muito famosa. Imaginei-a por anos fazendo o que sempre fora meu
sonho: dançar. Integrando alguma importante companhia e apresentando espetáculos
pelo Brasil e pelo mundo.
Os anos passaram; décadas, na verdade. Eu estava no
cabeleireiro e abri uma revista, vendo a foto da minha antiga e bela vizinha lá
dentro. Não sei se saberia quem era, caso o nome não estivesse ali. Já não era
tão magra. Os cabelos agora eram castanhos, não loiros, quase da cor dos
meus. E bem curtinhos. Ela não era bailarina. Era mãe de um menino e trabalhava
com culinária. Não lembrava a Barbie nem a personagem querida do meu livro. Parecia
bastante feliz e realizada. Uma mulher comum, assim como eu. E eu, que sempre
quis ser igual a ela, agora via meu desejo realizado.
Minha Cinderela foi desconstruída pelo tempo e pela vida.
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