segunda-feira, 20 de abril de 2015

Sobre índios, cultura e desigualdades

      Tenho imenso respeito pela cultura indígena. Não concordo com comentários preconceituosos do tipo "índio é preguiçoso, não gosta de trabalhar, só bebe cachaça..."
        Aqui no sul costumamos nomear os descendentes de indígenas de bugres. É normal encontrá-los nas 
esquinas vendendo cestos artesanais de palha. Essa semana uma índia bateu a nossa porta oferecendo desses artigos. Prontamente tratei de comprar um cesto, aproveitando para explicar aos meus filhos que aquele não era um simples objeto artesanal, mas sim o produto de uma cultura que corre o risco de desaparecer. A índia pediu um prato de comida e meus meninos ficaram comovidos.
       Nesses mesmos dias meu caçula surpreendeu-me com a pérola: "público é aquilo que a gente ganha de graça e não é bom e privado a gente paga e é bom". Tal reflexão, vinda de uma mente ao mesmo tempo tão infantil e tão esperta, não pode passar despercebida.  Meus filhos estudam em escola privada, tem acesso à internet, aos melhores livros e revistas... Recordei de uma situação recente, na qual contava aos meus alunos, de escola pública, residentes da periferia da cidade, alguns deles analfabetos no quarto do ensino fundamental ( e que nem cogitam sobre diferenças entre público e privado), sobre uma simples ida ao cinema. A conversa foi mais ou menos assim:
- Professora, você foi ao cinema?
- Sim, fui, levei meus filhos...
- Mas você entrou no cinema?
- Sim, entramos, assistimos ao filme...
        Os alunos ficaram abismados. Nenhum deles jamais assistira a um filme no cinema.
       Veja bem, o que impressiona nessa história não é o fato de que essas crianças jamais tenham ido ao cinema; o que espanta é que considerem essa possibilidade como alguma coisa de outro mundo...
       Assim como, numa manhã de segunda-feira, meus filhos, privilegiados, alunos de escola privada, que já foram diversas vezes ao cinema, espantaram-se ao ver uma humilde descendente indígena, descalça e faminta, vendendo cestos de porta em porta... 
        Esse é o nosso Brasil, Brasil sem igual, país desigual... Até quando?



sexta-feira, 20 de março de 2015

O pequeno grande desafio para o próximo Ministro da Educação



      Essa semana o ministro da Educação foi demitido (ou demitiu-se) após uma breve passagem pelo cargo. Aguardamos o anúncio de um novo nome para assumir a pasta e, quem sabe, com muita esperança, seja ele o “Salvador da Pátria Educadora”.
Apesar de TODO MUNDO afirmar que a solução dos problemas do Brasil está na educação, desde doutores da Universidade até o balconista da lojinha da esquina, estamos longe de viver num país no qual essa questão seja levada a sério.
         Digo isso porque vivo, ano após ano, ministro após ministro, o mesmo dilema em sala de aula: alunos que passam pela escola e não aprendem o mínimo necessário. Crianças que chegam ao 4º ano do Ensino Fundamental analfabetas; algumas, incapazes de escrever o próprio nome.
          Nos últimos anos o governo tem se esforçado para melhorar a qualidade da educação, implantando programas como o PNAIC- Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa. Sabemos que os professores necessitam de formação continuada para que tenham condições de realizar um bom trabalho em sala de aula. No entanto, ao colocar a “meta” de alfabetizar até os oito anos (e que deveria ser concebida como data limite, extrema), ou seja, até o terceiro ano, talvez o beija-flor da ideia inicial tenha se convertido num urubu. Porque alguns professores, senão muitos, podem pensar: “Bem, meu aluno não aprendeu no 1º ano, vai aprender no 2º”. E o professor do 2º ano, por sua vez, imagina: “Fulano não está alfabetizado, mas aprenderá a ler e escrever no 3º”. Resultado: Alunos de terceiro ano que não sabem ler nem escrever. Tenho um exemplo em minha turma esse ano, e tive vários no ano passado, e no anterior...
O mais triste é que provavelmente eu não consiga alfabetizar essa criança, que tem dez anos e está analfabeta, e ao mesmo tempo dar aula para os vinte e poucos que necessitam aprender e progredir nos estudos. E a solução não está em reprovar: ela já foi reprovada, em 2014.
        Esse exemplo demonstra como nós, professores, somos vítimas de “armadilhas” armadas há décadas em nosso país e que nos “apanham”; conosco os alunos também são “apanhados”. Ao mesmo tempo em que programas como o PNAIC podem nos transmitir ideias errôneas, fazemos parte de um sistema falho, ineficiente, que nos leva a fazer de conta que ensinamos. Quem perde é sempre o aluno.
           Precisamos enfrentar: há sim ritmos diferentes de aprendizagem e o bom professor sabe trabalhar com classes heterogêneas. Mas no tempo certo, com apoio pedagógico, material didático adequado... E, sobretudo, condições de dar atenção aos alunos que demonstram maiores dificuldades para que possam superá-las e acompanhar o restante da turma. A questão não está em aprovar ou reprovar (quantos alunos reprovam e continuam não aprendendo?), mas sim em assegurar meios efetivos e sistemáticos para que os professores e escolas consigam ensinar de verdade. Em outras palavras: reforço escolar, atividades extraclasse monitoradas, bibliotecas com acervo de boa qualidade, recursos humanos suficientes...
         É, senhor futuro Ministro da Educação... Meu aluno analfabeto do 3º ano está esperando. Ele é um exemplo representativo de milhares de crianças que abrem os livros fornecidos pelo PNAIC, Brasil afora, e não conseguem ler uma palavra. Um pequeno grande desafio da educação brasileira. Uma “Pátria Educadora” não se faz com escolas de “faz-de-conta”.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

O escritor está nu

        A vida de quem escreve é complicada. A escrita é uma atividade intelectual que exige esforço, persistência e muito trabalho (talvez a exceção seja a poesia, cuja criação está mais ligada à intuição e à inspiração). A escrita não nasce exclusivamente de uma iluminação criativa repentina.
           Aliás, escritores estão sempre tendo essas "iluminações". Geralmente são ideias que surgem no meio da noite,  precisam ser urgentemente "agarradas pelo rabo", para que não desapareçam, sendo registradas imediatamente.
          Mas a ideia é apenas o estímulo inicial para que surjam os textos: o escritor escreve, reescreve, corta alguns trechos, substitui palavras, aperfeiçoa sua obra. Nesse exercício demonstra o domínio que tem (ou não) da língua padrão e da gramática, revela seu vocabulário, cria um estilo. Acima de tudo, através das linhas que redige desvela sua personalidade; o fruto de seu trabalho é o que o torna vulnerável ao julgamento alheio.
         Quando o leitor abre um livro seu, o escritor está nu. Em seu texto estarão suas ideias, concepções, preconceitos, erros, deficiências, possibilidades... Anos de aprendizado, trabalho e esforço expostos e escancarados.
         O escritor não é aquilo que veste ou come, não se define pelo lugar onde mora ou pelas pessoas com quem se relaciona.
       O escritor é aquilo que escreve. Ele entrega ao leitor sua alma, pronta para ser desnudada a cada página  lida.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Tem mais gente que pensa como eu!

Reportagem do UOL dessa quarta-feira:

Arcebispo reclama de falta de atenção do Ocidente a massacres na Nigéria


Em meio à comoção gerada pelos atentados terroristas em Paris, na França, um arcebispo nigeriano acusou países ocidentais de ignorarem a ameaça representada pelo grupo extremista Boko Haram.

O Arcebispo da cidade de Jos, Ignatius Kaigama, ainda pediu que a mesma atenção dada aos atentados na França seja dada aos militantes que atuam com cada vez mais violência no nordeste do país africano.

Segundo ele, o mundo precisa agir de forma mais determinada para conter o avanço do Boko Haram na Nigéria.

No último fim de semana, 23 pessoas foram mortas por três mulheres-bomba, uma das quais tinha apenas 10 anos de idade.

Outras centenas de mortes foram registradas na semana passada, segundo relatos, durante a captura pelo Boko Haram da cidade de Baga, no Estado de Borno, no nordeste do país.

Em entrevista ao programa Newsday, da BBC, o arcebispo nigeriano disse que o massacre em Baga é a prova de que o Exército do país não consegue conter o grupo extremista.

"É uma tragédia monumental. Deixou a todos na Nigéria muito tristes. Mas parece que estamos desamparados. Porque, se fossemos capazes de deter o Boko Haram, já o teríamos feito. Eles continuam a atacar, matar e a tomar territórios impunemente", disse Kaigama.

Segundo ele, a luta contra o extremismo no país requer o mesmo apoio internacional e espírito de unidade que foi demonstrado após os ataques de militantes na França.

"Precisamos que este espírito se multiplique, não apenas quando isso ocorre na Europa, mas também na Nigéria, no Níger ou em Camarões."

Mulheres-bomba

No domingo passado, duas mulheres-bomba mataram quatro pessoas e deixaram mais de 40 feridas na cidade de Potiskum.

Um dia antes, uma menina realizou outro ataque suicida em Maiduguri, a principal cidade do nordeste do país, matando ao menos 19 pessoas.

No último mês, mais de 30 pessoas foram mortas em ataques suicidas simultâneos na cidade de Jos, que tem cristãos e islâmicos em sua população.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, condenou os ataques do Boko Haram, que classificou como "atos depravados".

Em junho, o Reino Unido disse que intensificaria sua ajuda ao país nas áreas militar e de educação, para conter o Boko Haram.

Essa ajuda também inclui treinamento das tropas do país, assim como vêm fazendo os Estados Unidos.

No entanto, a Nigéria criticou o governo americano por sua recusa de vender armas ao país alegando que as tropas nigerianas estavam cometendo abusos de direitos humanos.

Uma iniciativa liderada pelo governo francês pediu que Nigéria, Níger, Camarões e Chade contribuíssem com 700 soldados cada para uma força internacional contra o Boko Haram, mas nenhum país implementou o plano.

Violência chocante

O Exército nigeriano informou que está tentando retomar a cidade de Baga, que está sob o controle de militantes, mas não deu detalhes da operação.

Também disse que, no último sábado, conseguiu impedir que o Boko Haram assumisse o controle de Damaturu, outra grande cidade do nordeste nigeriano.

Will Ross, correspondente da BBC News em Lagos, a principal cidade da Nigéria, diz que a violência no país não tem fim e é cada vez mais chocante, citando o uso de uma criança em um dos ataques do último fim de semana.

"As Forças Armadas nigerianas tiveram algumas vitórias, mas têm uma tarefa muito difícil, de proteger civis de homens-bomba e atiradores que estão espalhados por uma grande área no nordeste do país. Por isso, com frequência, são dominadas pelos militantes e falham em sua missão. As autoridades do país não gostam de ouvir isso, mas é verdade", afirma Ross.

"O mundo está lentamente começando a manifestar indignação com a recente violência, mas, além disso, e de uma ajuda limitada, não parece haver vontade de se envolver mais profundamente no conflito."

sábado, 10 de janeiro de 2015

Somos todos Boko Haram



         Esta semana acompanhamos as consequências terríveis da ação de terroristas em Paris. Foram três dias de muita tensão. A mídia noticiou exaustivamente a ação da polícia, que culminou na morte dos radicais dispostos a matar e morrer.
       Como todos sabem, foram doze vítimas no ataque ao jornal Charlie Hebdo na quarta-feira, entre eles jornalistas e policiais. Sexta –feira  algumas pessoas foram feitas reféns num supermercado de comida judaica e  quatro acabaram mortas pelo terrorista Amedy Coulibaly.
       A reação do mundo foi de repúdio à ação dos terroristas islâmicos e também de demonstrações de solidariedade às vítimas e seus familiares. Está prevista para domingo uma manifestação em Paris com a presença de diversos líderes da Europa. É o momento em o mundo clama pela paz.
        No entanto, ao mesmo tempo em que esses acontecimentos se desenrolavam na França, centenas de pessoas eram massacradas na Nigéria pelos também terroristas que acreditam ter licença para matar devido a sua visão distorcida da fé. A cobertura da mídia foi bem mais modesta nesse caso. Quase não há fotos e não se sabe ao certo quantas pessoas morreram. O que se sabe é que provavelmente, desde o ano passado, o Boko Haram matou mais de duas mil pessoas em alguns países africanos, além de sequestrar centenas de meninas.
        O que faz com que a morte de jornalistas e policiais franceses, brancos, pareça ser mais grave que a morte dessas milhares de pessoas africanas negras e pobres? E se o Boko Haram sequestrasse cem meninas brancas americanas ou francesas, como seria a reação da mídia e da comunidade internacional?
        Enquanto o mundo para nesse domingo para prestar solidariedade às vítimas francesas da intolerância e da crueldade, outras centenas de vidas podem estar sendo tolhidas pela ação de terroristas. Nosso descaso para com essa situação nos torna cúmplices desses malucos. Afinal, nem eu nem você iremos às ruas protestar ou espalharemos no twitter mensagens sobre elas. Somos todos Boko Haram.


sábado, 15 de novembro de 2014

Caquinhos de preconceito



          Logo cedo o jornal conta a história de dois rapazes que se beijavam num metrô em São Paulo e acabaram espancados por quinze homens.
        Mais tarde, na escola, algumas alunas batem boca. Indago qual o motivo. Uma delas responde: “Fulana me chamou de sapatona”. Pergunto o que é sapatona e a outra diz: “machorra”. Continuo o questionamento até que a turma conclui: “é lésbica, professora”. Crianças de apenas dez anos que empregam um vocabulário depreciativo e preconceituoso com relação à opção sexual das pessoas.
         Não é o único preconceito que surge na escola. Na minha, há duas meninas lindas, irmãs e negras, que convivem com apelidos e xingamentos constantes, devido a cor da sua pele. Essa é uma atitude que podemos perceber até de figuras importantes e influentes, como no caso de Silvio Santos, que fez um comentário depreciativo sobre o cabelo de uma atriz negra em seu programa.
         Excluindo-se o fato ocorrido no metrô, ato covarde e bárbaro, geralmente justificado com comentários do tipo: “eles pediram, por que estavam se beijando daquela forma?”, os demais exemplos são “caquinhos de preconceito” que presenciamos diariamente.
          Dias antes, folheando uma revista local, vi as fotos de uma mulher alta, magra, cabelos muito lisos e sedosos, olhos lindos, mas aí algo parecia fora do contexto: um bigode. Era um rapaz, ou melhor, um travesti. Fiquei chocada, não pelo fato de alguém ser tão corajoso a ponto de “sair do armário” de forma tão escancarada, numa cidade do interior. Minha perplexidade veio quando percebi meu próprio preconceito.
         Em maior ou menor grau, todos temos preconceitos, pois somos humanos. Seria bom se pudéssemos juntar “os caquinhos de preconceito” para formar um grande espelho, no qual fôssemos capazes de visualizar nossas falhas, medos, inseguranças. Talvez esses sejam os fatores que levam alguns de nós à barbárie, a cometer atos insanos, violentos. Temos medo de ver, de enxergar as diferenças, porque talvez essas diferenças atinjam nossas convicções do certo e do errado, do bom e do mau (aquilo que costumamos denominar sistema de crenças).
          Paradoxo: ao mesmo tempo em que o ser humano é capaz de pousar um robô em um cometa, parece incapaz de conviver com semelhantes que ousam ser diferentes.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Ainda o bullying



        Um menino com problemas em casa, estranho, com dificuldades de relacionamento na escola. Uma situação tensa, em que os colegas ridicularizavam alguém frágil emocionalmente. Esse é o tema da música “Jeremy”, da banda norte-americana Pearl Jam, gravada em 1991, numa época em que falar sobre bullying não estava na moda. Eis um trecho da música e o vídeo:



“Me lembro claramente
Perseguindo o garoto
Parecia uma sacanagem inofensiva
Oh, mas nós libertamos um leão”

      O Jeremy da letra da música termina com a própria vida dentro da sala de aula. Já seria terrível se fosse apenas ficção, mas a história realmente aconteceu. 

   Um garoto de uma escola da cidade de Richardson (EUA), em 1988, descrito como um “introvertido”, suicidou-se na frente de seus 30 colegas de classe.

      Segundo a polícia, Jeremy Wade Delle, de 16 anos, que havia sido transferido de uma escola de Dallas, morreu na hora após puxar o gatilho de uma Magnun calibre 357 enfiada em sua boca, por volta das 9:45 da manhã. 

      Por ter perdido o horário da aula, sua professora de inglês do segundo ano pediu a Jeremy que fosse à secretaria pegar uma autorização de entrada por atraso. Ao invés disso, ele retornou a sala de aula com a arma.

      Anos depois, o vocalista do Pearl Jam, Eddie Vedder, criou a música Jeremy ao recordar da notícia que lera no jornal.
         
        Caso parecido aconteceu esse ano. Um menino de 12 anos, da Inglaterra, enforcou-se após não mais suportar as humilhações dos colegas de turma. Ele chegou a ser socorrido pela mãe, ficou uma semana no hospital, em coma. Durante esse período, os pais fotografaram o menino e postaram as imagens na internet. O objetivo deles era que os agressores do menino percebessem o que haviam provocado.

      Esses são dois casos que mostram o sofrimento extremo de crianças provocado por outras crianças (ou adolescentes). A dor é tão grande que elas preferem acabar com a própria vida e parar de sofrer. Sabemos que há ainda casos nos quais, como nos assassinatos em massa em escolas ao redor do mundo, mas principalmente nos EUA, os suicidas decidem matar antes de morrer. Nada justifica tal ato insano, mas se investigarmos a vida dos assassinos-suicidas descobriremos, quase sempre, um histórico de sofrimento, revolta e exclusão causados pelo bullying.
 
     O bullying, antes de ser uma “moda”, é  reflexo de uma sociedade portadora da ignorância social. São ignorantes sociais aqueles que excluem, rotulam, ridicularizam e segregam pessoas diferentes. São aqueles que não suportam que seu sistema de crenças e valores seja abalado. Homossexuais, negros, pobres, velhos, mendigos, são alvos frequentes dos ataques desses ignorantes. Ou então crianças cujo comportamento ou aparência não estão de acordo com o que é socialmente “desejável” e “aceitável”.    
    
     Sabemos que crenças e valores são moldados desde o nascimento no convívio familiar. Portanto, pais ignorantes sociais vão formar aquelas criaturas abomináveis que adoram praticar o bullying. É na família que podemos evitar casos como os dos dois garotos acima.



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