sábado, 29 de julho de 2017

Educação: submissão, alienação e liberdade


       Daqui a alguns dias, em 11 de Agosto, é comemorado o Dia do Estudante. Pensando nisso, fiz uma pesquisa para encontrar uma música relacionada ao tema. Excluindo a conhecida “Coração de Estudante”, a busca foi decepcionante. As letras não abordam, como eu pretendia e imaginava, o poder libertador do aprender ou o prazer que o conhecimento nos proporciona. Pelo contrário, muitas tratam o ato de estudar como algo penoso, um fardo. Em algumas há um teor doutrinário, que visa à submissão diante da realidade. Alguns exemplos:

“Ser estudante é responsa danada, ter a mente cansada de livros e tudo mais.
É estar a todo instante atento aos ensinamentos do professor e dos pais.
Ais, quantos ais, vida cobrada, futuro do país.
Ais, quantos ais, um dia vou ser importante como eu quis.”

(Calendário Criança Feliz)

“Aqui a natureza é sorriso
Nossos dias são repletos de esperança
A ordem constitui nosso progresso
De um povo que trabalha e não se cansa
Preconceito nessa terra não existe”

(Chitãozinho e Xororó)


        A primeira letra merece uma análise profunda, deixemos para a próxima vez (vida cobrada, cansada de livros, ai, ai). Já a letra da famosa dupla sertaneja é antiga, mas poderia ter sido escrita pelo atual presidente do Brasil (bem alinhada ao seu discurso). No entanto, não posso levá-la para meus alunos, pois isso seria extremamente hipócrita. Sinceramente, dá vontade de levar Another Brick in The Wall, do Pink Floyd, para sala.

        Essa breve pesquisa e reflexão a respeito do conteúdo das músicas relacionadas ao ato de estudar me leva a pensar que a passividade do povo brasileiro diante da corrupção, do abuso de poder e de um governo incompetente tem suas raízes muito profundas e ramificadas também no sistema escolar. 

       A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) assegura que a educação tem como princípios a liberdade e o pleno desenvolvimento da cidadania. Não é raro encontrar, em documentos oficiais, planos de estudos, projetos político pedagógicos e até em cartazes magníficos nos corredores das escolas os termos “cidadão consciente”, “educação crítica”, “participação na sociedade” e “autonomia do educando”. No entanto, essas palavras, enquanto ideais, parecem destinadas a serem sepultadas no papel. Essa nossa dificuldade histórica de unir o discurso à prática faz-me recordar outra situação. Trabalhei numa escola na qual, durante o recreio, os alunos eram divididos por gênero. Não é brincadeira: meninas no pátio da frente, meninos no pátio de trás. Aparentemente, essa foi a solução encontrada para evitar possíveis conflitos entre os sexos. Ou seja, não enfrentamos o problema, evitamos que ele aconteça, quando possível, ou o ignoramos. (Eu queria ver o que fariam se algum aluno fosse transgênero). Para resolver essa questão prática, ninguém evocou Paulo Freire e sua educação dialógica, apesar de o autor estar presente na filosofia da referida escola  e de ser citado nos momentos de formação continuada. Porém, como afirmei anteriormente, unir teoria e prática é uma dificuldade antiga. Não foi isso que mais me incomodou na ocasião, mas sim o fato de as crianças estarem confortáveis com a situação. Ninguém reclamava da divisão. Mesmo que sentissem vontade de brincar juntos durante o recreio, não havia manifestação dos alunos nesse sentido. Eram passivos diante do apartheid de gênero, porque para eles era algo já aceito como normal, uma regra da escola, algo que não deveria ser contestado.
          Esse é um exemplo de como a escola continua servindo para moldar mentes e submetê-las a padrões, através do desestímulo da crítica, do desencorajamento, da submissão (embora os documentos oficiais postulem o contrário). Seja através do conteúdo de uma música, ou impondo uma divisão entre meninos e meninas, percebemos o quanto o ato de educar pode ser uma maneira de aprisionar. Aprisionar a liberdade, a iniciativa, a espontaneidade, a criatividade. Talvez esse tipo de educação explique, em parte, nossa passividade diante da falta de caráter, da desonestidade e da cara de pau da classe política em geral.
        Gostaria de finalizar essa reflexão com um trecho do livro A desobediência civil, de Henry David Thoreau:
“De que adianta nascer livre e não viver em liberdade? Qual é o valor de qualquer liberdade política se não for um meio de liberdade moral? A liberdade de que nos vangloriamos é a liberdade de ser escravos ou a liberdade de ser de fato livres?”

        Por uma escola de verdade, em que aprender e ensinar possam ser ações que libertam, e não que submetem e alienam.



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